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Facções já estão em quase metade das cidades da Amazônia Legal, aponta estudo

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela avanço recorde do crime organizado na região; Comando Vermelho domina 83% dos municípios com presença de facções.

Presença do CV no Amazonas | Foto: Divulgação
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A presença de facções criminosas na Amazônia Legal alcançou um patamar inédito. De acordo com pesquisa divulgada nesta quarta-feira (19) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), grupos nacionais e internacionais já atuam em 344 dos 772 municípios da região, o equivalente a 45% das cidades. Em 2024, eram 260, um salto de 32% em apenas um ano.

O crescimento está diretamente relacionado ao controle de rotas do tráfico de drogas e à exploração de economias ilegais locais, como o garimpo. Áreas como o Alto Solimões se tornaram corredores estratégicos para a circulação de entorpecentes rumo ao exterior.

Este é o quarto ano do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, produzido em parceria com organizações como Instituto Clima e Sociedade, Instituto Itausa, Instituto Mãe Crioula e o Laboratório Laiv.

Quem domina a região: 17 facções mapeadas

O levantamento identificou 17 facções atuando no território, incluindo grupos tradicionais como Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), além de organizações locais e estrangeiras, como o venezuelano Tren de Aragua e dissidências das Farc, na Colômbia.

O Comando Vermelho é, de longe, a facção mais presente:

  • Influência em 83% das cidades com facções (286 municípios);
  • Domínio hegemônico em 202 deles;
  • Disputa com rivais em outros 84;
  • Crescimento de 123% desde 2023.

Já o PCC aparece em 90 municípios, com controle direto em 31 e disputa em 59. Em 2023, estava presente em 93 cidades, uma leve oscilação, mas com atuação mais concentrada em parcerias e rotas de grande escala.

Por que o CV avança mais?

Segundo David Marques, gerente de projetos do FBSP, a explicação está no próprio modelo de funcionamento das facções. A lógica do Comando Vermelho é como se tivéssemos a criação de franquias associadas ao grupoafirma.

O CV, ao contrário do PCC, combina atuação no varejo e no atacado do tráfico. Para isso, precisa de controle territorial  especialmente em áreas de fronteira onde o escoamento de drogas é vital.

O PCC, relata Marques, opera com decisões mais centralizadas em São Paulo e prioriza acordos com grupos locais, focando no atacado do tráfico pela chamada “rota caipira, que passa por Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná até chegar a portos de exportação.

Presença varia conforme a fronteira

A proximidade com outros países é determinante. Estados que fazem divisa com Peru, Bolívia, Venezuela ou Colômbia apresentam os índices mais elevados.

Presença de facções por estado da Amazônia Legal:

  • Acre: 22 de 22 (100%)
  • Roraima: 13 de 15 (80%)
  • Amapá: 10 de 16 (62,5%)
  • Pará: 91 de 144 (63%)
  • Mato Grosso: 92 de 141 (65%)
  • Amazonas: 25 de 62 (40%)
  • Rondônia: 21 de 52 (40%)
  • Maranhão (área amazônica): 53 de 181 (29%)
  • Tocantins: 17 de 139 (12%)

O Acre é o caso mais extremo: todas as cidades apresentam registros de facções.

Violência ainda acima da média nacional

O estudo também revela que, apesar da queda recente, a violência na Amazônia Legal permanece muito superior à média do país:

  • 8.047 mortes violentas em 2024, ainda 31% acima da média nacional;
  • Maranhão foi o único estado da região com aumento nas taxas de homicídio (+11%);
  • Amapá lidera o ranking de mais violentos;
  • Pará e Maranhão concentram conflitos no campo;
  • Feminicídios são 19% mais frequentes que no restante do Brasil;
  • Estupros aumentaram na região, enquanto caíram no restante do país, 80% das vítimas têm 14 anos ou menos.

Outro dado preocupante é que facções passaram a impor regras comportamentais para mulheres, chegando a determinar que relacionamentos só podem ser encerrados com autorização dos criminosos.

Apreensão de drogas e cenário futuro

Mesmo diante da expansão do crime organizado, houve aumento de 21% nas apreensões de drogas em 2024. O dado indica maior fiscalização, mas também volume crescente de entorpecentes circulando pela Amazônia.

O avanço das facções revela uma disputa cada vez mais intensa por rotas internacionais e territórios estratégicos e reforça o desafio do Estado brasileiro em conter a escalada do crime organizado na região mais sensível do país.

A Amazônia Legal, com extensão continental e fronteiras porosas, continua sendo o epicentro de uma batalha que combina geopolítica, economia ilegal e profundas fragilidades estruturais.


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