Estatuto do Desarmamento ajudou a salvar 121 mil vidas no Brasil

Estatuto do Desarmamento que bancada da bala tenta revogar ajudou a salvar 121 mil vidas

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Da cidade de Gainesville, na Flórida, EUA – país-símbolo da liberdade nas regras do porte de armas de fogo – o sociólogo Gláucio Soares envia um conjunto considerável de dados e argumentos para desmontar a tese da bancada da bala no Congresso que tenta revogar o Estatuto do Desarmamento, aprovado e sancionado em dezembro de 2003. Segundo a bancada, ao tirar as armas legais de circulação e impor sérias restrições à sua aquisição, posse e porte, o estatuto buscava reduzir drasticamente o número de homicídios no País. Foi um erro banhado de sangue, argumentam: o número de mortes não para de crescer.

Um dos mais respeitados especialistas em segurança pública no Brasil, Gláucio Soares diz que não é bem assim. Apoiado nas estatísticas oficiais, mas fazendo extrapolações e comparações, o professor argumenta que o Estatuto do Desarmamento foi eficaz porque estancou o crescimento de homicídios que seguia num ritmo e passou a outro. Ele e Daniel Cerqueira, diretor do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), fizeram as contas e chegaram a um dado surpreendente: 121 mil vidas foram preservadas pela lei criada 11 anos atrás. Elas teriam sido perdidas, caso a trajetória de mortes por armas de fogo aumentasse na mesma velocidade que vinha antes do estatuto.

Aos números. Entre 1980 e 2003, ano da sanção do estatuto, o número de homicídio por armas de fogo no Brasil aumentou de 6.104 para 36.576 – um aumento médio de 8,36% a cada ano. Em 2013, o número de homicídios chegou a 38.578, um aumento anual de 0,53% ao ano. Em outras palavras: o crescimento médio anual de pessoas assassinadas por arma de foto antes do estatuto era mais de 15 vezes maior do que o observado após a vigência do estatuto. “O Estatuto do Desarmamento foi fundamental para quebrar esta trágica trajetória”, diz Daniel Cerqueira, em defesa que se espalhou nos últimos dias pelas redes sociais.

O gráfico abaixo, enviado à coluna por Valéria de Velasco, subsecretária de Proteção às Vítimas de Violência da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Distrito Federal, ajuda a reforçar as curvas apontadas por Cerqueira e Soares. A linha vermelha expõe a possível trajetória de crescimento das mortes com armas de fogo que vinham se mantendo antes de 2003. A linha azul revela as mortes que efetivamente ocorreram no período. A radiografia expõe o efeito da ajuda do Estatuto do Desarmamento que hoje se deseja desarmar. Obviamente convém ressaltar que o estatuto não foi a única âncora a segurar a tendência de crescimento das mortes. Mas é inegável a sua ajuda, é o que argumentam os professores e a subsecretária.

Cerqueira e Soares são dois dos especialistas que vêm buscando pôr evidências empíricas, dados estatísticos e comparações internacionais para tentar barrar a aprovação do Projeto de Lei 2722/12, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), que devolve à legalidade o porte de armas e facilita a aquisição de revólveres e afins. Nesta quarta-feira (17), a comissão especial da Câmara criada para analisar o projeto que revoga o Estatuto do Desarmamento deve votar relatório do deputado Claudio Cajado (DEM-BA) sobre o tema. Briga feia: se passar pela comissão e depois pelo Senado, cada cidadão terá direito a até nove armas de fogo e 1.800 cartuchos de munição por ano.

No Brasil, três teses de doutorado defendidas nos últimos anos – incluindo a do próprio Daniel Cerqueira, defendida na PUC-Rio – apresentaram fortes evidências de que mais armas na experiência internacional correspondem a mais crimes, especialmente roubos, furtos, estupros e homicídios. Cerqueira publicou um estudo com o economista João Pinho de Mello, do Insper, intitulado Evaluating a National Anti-Firearm Law and Estimating the Causal Effect of Guns on Crime, no qual os dois avaliam o impacto da legislação anti-armas de fogo e estimam o “efeito causal” das armas sobre o crime.

Usando e abusando de modelos matemáticos e econometria, ambos reforçam neste estudo a tese do impacto positivo do Estatuto do Desarmamento sobre a redução das taxas de homicídio. Neste estudo em particular, somente no Estado de São Paulo, foram salvas entre 2.000 e 2.750 vidas de 2004 a 2007, em cidades com mais de 50 mil habitantes.


Comissão usa estudo de advogado pró-armas

Uma das fontes de queixa em relação à comissão especial são os laços que unem parte de seus integrantes a fabricantes de armas e munições. Levantamento da ONG de combate à violência Instituto Sou da Paz, com base em dados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e divulgado pelo Congresso em Foco, mostrou que dez dos 24 titulares da comissão especial receberam doações do setor para suas campanhas eleitorais neste ano. Ou seja, cerca de 40% dos integrantes. Outros seis suplentes também foram financiados por fabricantes de armas e munições.


Gláucio Soares também aponta equívocos no relatório produzido pela comissão. Diz que os parlamentares agiram “sem qualquer preocupação com a representatividade” e enxergou no documento que deve ser votado nesta quarta-feira “um exemplo de fraude grosseira de fontes de apoio”.

Uma dessas fontes de apoio a que o sociólogo se refere é a prestigiada Universidade de Harvard. O “estudo de Harvard” citado pelo relatório da comissão é usado para apoiar os argumentos dos contrários ao estatuto. Ocorre que o tal estudo não foi feito por seus pesquisadores, tampouco endossado pela universidade. Seus autores são Gary Mauser e Don B. Kates.

Mauser é um professor da Faculdade de Administração de Empresas da Universidade Simon Fraser, no Canadá. Tem dois livros publicados: Marketing político e Manipulando a opinião pública. Don Kates é um professor aposentado de direito constitucional e criminal, que trabalha no Instituto Independente de Oakland, Califórnia, uma instituição que se orgulha entre outras  de combater o “socialismo” do Partido Democrata norte-americano (!), mas com uma base acadêmica. Como advogado, Don Kates tem representado os proprietários de armas, atacando a constitucionalidade de leis de restrição ao porte de armas de fogo.

O relatório cita a pesquisa de Harvard a partir do Instituto Ludwig von Mises que, a despeito do nome, vem do Brasil – na verdade, foi publicada em novembro deste ano como “Vinte fatos que comprova que a posse de armas deixa a população mais segura” (típico exemplo de uma citação errada que vai levando à outra). O estudo foi citado em uma publicação na página da The American Civil Rights Union (ACRU), outra organização da ultra-direita norte-americana, fundada por ex-integrante da equipe do ex-presidente Ronald Reagan, em 1988. A entidade dedica-se a acompanhar outras organizações, incluindo aquelas que negam o Holocausto, que condenam a comunidade LGBT, combatem negros, etc.


Soares tirou duas conclusões importantes. Primeiro: “o relatório da Comissão Especial falsamente atribui um estudo à Universidade de Harvard, copiando a besteira escrita pela ACRU”. Segundo: “O estudo foi preparado e divulgado por organizações americanas de direita, gerando a preocupação com a possível interferência de organizações estrangeiras na formulação de políticas públicas brasileiras”. Para ele, o documento da comissão “age como um braço a serviço” de organizações de extrema direita.

Quem tiver a curiosidade de ler o relatório da comissão especial, vale a leitura. A íntegra pode ser lida aqui.
Para o deputado Rogério Peninha Mendonça,  o texto não propõe distribuir armas indistintamente ou banalizar o acesso a elas. Em entrevista recente ao repórter David Shalom, no iG, Peninha defendeu sua ideia. Ressaltou que, se vetarmos armas de fogo, logo faremos o mesmo com carros. “Na minha cidade, no interior catarinense, outro dia uma mulher foi dar ré e atropelou o próprio filho. Ou seja, não é só a arma de fogo que mata. Ela mais protege e, se estiver guardada, com munição separada, só traz aspectos positivos à vida do portador. Mas acidentes acontecem

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