O Ministério da Saude emitiu alerta nesta terça (3) para a baixa vacinação contra a paralisia infantil: 312 cidades não vacinaram nem metade das crianças menores de 1 ano em 2017. Embora não haja casos atuais de poliomielite, a preocupação do ministério se justifica por ao menos três motivos:
A circulação do vírus em 23 países nos últimos 3 anos;
O surgimento de um caso da doença na Venezuela em junho;
O efeito devastador da doença no país antes de sua eliminação, graças à vacina.
Foram 26.827 casos de paralisia infantil entre 1968 e 1989 -- quando o último caso foi registrado na Paraíba. Há um pico em 1975, com 3.596 casos. Outro ano com muitos registros foi 1979, com 2.564 infecções. O Ministério da Saúde registra os números como casos -- mas, para a historiadora Dilene Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) , o dado provavelmente indica as sequelas deixadas pela doença.
"O dado era registrado quando havia sequela, como a paralisia. Para cada registro de sequela da pólio, pelo menos outras 99 infecções haviam acontecido" -- Dilene Nascimento (Casa Oswaldo Cruz).
"Até a primeira metade da década de 1980, a poliomielite apresentou alta incidência no Brasil, contribuindo, de forma significativa, para a elevada prevalência anual de sequelas físicas, observada naquele período" -- Ministério da Saúde.
O maior número de casos era registrado no Nordeste e no Sudeste -- seguindo também a proporção da população nesses estados. Desde 1989, quando foi registrado o último caso, o Brasil levou mais 5 anos para estabilizar a circulação do vírus: finalmente, o certificado de eliminação ocorreu em 1994. Ele foi emitido para toda a região das Américas pela Organização Mundial da Saúde.
Agora, o governo está tentando aumentar as taxas de cobertura vacinais para que a poliomielite não tenha o mesmo destino do sarampo, que voltou a circular após a eliminação. Uma combinação de casos importados da Venezuela e de brasileiros não-imunizados está contribuindo para um surto no Norte do Brasil.
Para a historiadora da Fiocruz, a poliomielite está atrelada fortemente à cultura de vacinação no Brasil e ao seu desenvolvimento. A erradicação da doença -- e suas temidas sequelas -- podem ter abalado a organização da vacinação por aqui.
"Quando chegou a vacina da poliomielite por aqui, toda a mãe queria vacinar. Todo mundo ia atrás da vacina. A imagem da paralisia era muito forte" -- Dilene Nascimento, historiadora.
Primeiros registros são do Egito antigo; primeiros sintomas parecem com gripe
A poliomielite é causada por um vírus e historiadores estimam que os primeiros registros tenham surgido no Antigo Egito, durante a 18ª dinastia (1580-1350 AC). A principal via de transmissão é oral-fecal e, por isso, más condições sanitárias também estão associadas a um maior número de infectados.
O vírus da pólio vive no intestino. A maior parte das infecções são subclínicas e não apresentam sintomas. O quadro é similar ao da gripe com febre e dor de garganta, mas há náuseas, vômitos, constipação e dores abdominais.
Só 1% dos infectados vão desenvolver a forma paralítica da doença, que pode causar sequelas permanentes e insuficiência respiratórias. Segundo a Fiocruz, a paralisia ataca os membros inferiores muitas vezes de forma assimétrica, com apenas um dos membros sendo afetado.
A paralisia começa a ser percebida com perda de força nos membros atingidos e perda dos reflexos.
A pólio no Brasil e a superação da doença
No Brasil, os primeiros casos foram identificados em artigo publicado por Fernandes Figueira em 1911, informa Dilene Nascimento, historiadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). "A partir da década de 1930, começaram a surgir epidemias importantes em vários estados do Brasil".
A vacina chegou na década de 1950 -- e a ideia nacional de uma campanha foi em 1971, explica Dilene. "As campanhas de vacinação antes disso eram esparsas, com cada estado com sua experiência".
Dilene explica que a assistência à crianças era precária e que não havia a ideia de vacinação disponível em postos de saúde.
"Não havia essa ideia de postos de saúde no Brasil. Não tinha SUS, não tinha vacina disponível o ano inteiro, não tinha nem campanha nacional".
"O controle da poliomielite foi uma vitória do setor saúde. Em 1979, o doutor Waldyr Arcoverde levou médicos sanitaristas e muita gente com experiência em controle de vacinação e doenças infecciosas para o Ministério da Saúde. O Brasil venceu a doença com experiência e gente disposta", relata a historiadora.
Na época, mais de um tipo de vacina era aplicado no mundo. O Brasil chegou a ter dois tipos de vacina até que optou pela vacina oral, desenvolvida pelo pesquisador Albert Sabin, e que tinha a recomendação da Organização Mundial de Saúde e da Associação Médica Americana.
Foi apenas a partir de 1971 que uma campanha nacional foi colocada em ação. Até este ano, as campanhas de vacinação contra a pólio sofriam com problemas de distribuição e eram com frequência descontinuadas.
Dilene explica que foram realizados dias nacionais de vacinação, com a indicação de vacinar todas as crianças menores de 5 anos de idade, a partir dos anos 1980.
"Com esses dias nacionais de vacinação, a cada ano foram diminuindo os casos de poliomielite. A vacinação era feita em todo o lugar. Escola, igreja, associações..."
O controle da poliomielite, indica a historiadora, ajudou a estruturar todo o plano de imunizações do país. "A gente tinha a experiência da varíola, mas a pólio trouxe vacinas em postos de saúde e campanhas nacionais", explica Dilene.
Em 1973, na esteira da campanha contra a poliomelite, foi lançado o Programa Nacional de Imunização (PNI), que incorporou o controle da poliomielite e introduziu a multivacinação, incluindo principalmente a vacina do sarampo como estratégia de campanhas.
A especialista espera agora que o mesmo plano de imunização que a pólio ajudou a estruturar impeça o seu retorno.