80% dos deficientes mentais não se formam no ensino fundamental

Pesquisa aponta escassez de escolas especializadas

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"Bem posto e independente". É assim que Carmen Aranha define o filho Antonio, portador de Síndrome de Down, que depois de completar o ensino básico começou a traçar o futuro no curso de qualificação profissional no Colégio Graphein, em São Paulo. O garoto de 21 anos faz parte de uma minoria, de acordo com os números apresentados recentemente pelo Censo Demográfico de 2010. Mais de 80% dos 2,2 milhões de entrevistados autodeclarados portadores de deficiência mental têm o ensino fundamental incompleto ou nenhuma instrução - em números absolutos, são 1,79 milhões de pessoas.

O estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela ainda que 61,1% da população com 15 anos ou mais e que porta pelo menos uma deficiência não tem nenhuma instrução ou não completou o ensino fundamental. Este número cai para 38,2% entre os que declaram não ter nenhuma dificuldade.

Na pesquisa, foram consideradas as deficiências visual, motora, auditiva e mental, sendo as três primeiras divididas por grau de severidade. "A mental já é considerada uma deficiência severa", explica Andrea Borges, coordenadora do Comitê do Censo Demográfico do IBGE.

"Retardo do desenvolvimento intelectual caracterizado pela dificuldade que a pessoa tem em se comunicar com outros, de cuidar de si mesma, de fazer atividades domésticas, de aprender ou trabalhar, ou brincar". Esta foi a definição usada no Censo para classificar portadores de deficiência mental e para colocá-la no alto grau de severidade. Andrea aponta que isso é diferente de doenças mentais como autismo e esquizofrenia, que não foram consideradas no estudo. Lentidão no raciocínio e grau de atenção comprometido são algumas das características que podem aparecer em portadores de deficiências intelectuais. Em relação à Síndrome de Down, casos mais comuns nas escolas, tais aspectos podem vir acompanhados de problemas na expressão oral e na visão.

Apesar das barreiras nomeadas pelo IBGE, os alunos que carregam consigo esta condição mostram avanços no processo de aprendizagem e de construção da independência. Para Nívea Fabrício, diretora do Colégio Graphein, instituição especializada na educação de crianças com dificuldades de aprendizado, planejamentos adequados para cada aluno devem ser pensados para atingir um desenvolvimento escolar de sucesso. "Depois que se aprende a trabalhar com ele e a usar as estratégias necessárias, se consegue resultados supreendentes", comenta.

Elementos da rotina e o gosto por música, arte e outras áreas são explorados pelos professores da instituição que buscam criar um currículo específico para cada caso. "Tínhamos um aluno que gostava muito de rock, e através de uma banda, a gente criou materiais. Com as letras, trabalhamos interpretação de texto e escrita, com figuras, trabalhamos a memória", lembra Maria Cecília Martins, pedagoga da escola.

A educadora explica que o ensino deve ser feito através de situações concretas, como aulas de culinária e informática, para trabalhar matérias como física e química. "No caso dos mais velhos, a gente adapta esses conteúdos. Vamos buscar trabalhar atualidades, reportagens de jornais, o que está ocorrendo no mundo. Isso desenvolve o raciocínio, a memória a compreensão e a oralidade", diz.

A escola Matre Dei, também em São Paulo, apresenta uma proposta um pouco diferente. A instituição aceita crianças e adolescentes com Síndrome de Down, autismo, paralisia cerebral e deficientes físicos, mas os coloca em salas de aulas com crianças sem necessidades especiais. Segundo Lucila Cafaro, coordenadora da educação infantil, a integração ocorre de forma natural, já que a maioria dos alunos entra na escola quando pequeno e se acostuma com as diferenças ao longo do tempo. Para atender às condições especiais dos estudantes, é feita uma adaptação do material pedagógico.

Pesquisadora do IBGE aponta falta de escolas especializadas

Antonio, o garoto citado no início desta reportagem, teve as duas experiências ao longo de sua vida escolar: frequentou turmas regulares e especiais. Com a ajuda de uma educação direcionada, conseguiu terminar o ensino médio. Apesar de não ver tanta diferença entre os dois tipos de escola, a mãe, Carmen, enxerga uma vantagem na especializada: "Ali um vê a dificuldade do outro, um ajuda o outro. É uma proposta muito interessante", observa.

Professora da Universidade Estadual de São Paulo (USP), Carmen acredita que a ideia de inclusão só funciona até uma determinada série, "porque quando ficam mais velhos, os alunos podem se tornar mais preconceituosos", acredita. "Deveria ter em uma classe mais ou menos três crianças especiais e isso tem que ser bem trabalhado pela escola". Entretanto, não crê que este fator possa explicar a falta de instrução de portadores de deficiência apontada pelo IBGE.

A coordenadora do Comitê do Censo Demográfico do IBGE atribui à falta de escolas especializadas uma das causas para o resultado da pesquisa. "Grande parte dessas pessoas têm mais idade e vem de uma época em que não se tinha incentivo a pessoas com deficiência para entrar na escola. A educação especial é algo mais recente", explica.

Porém, os portadores de necessidades especiais que terminaram o ensino básico encontraram menos obstáculos no acesso à universidade. Os números absolutos são discrepantes, mas proporcionalmente, a diferença cai consideravelmente. Andrea aponta que 6,7% dos 2,2 milhões entrevistados com 15 anos ou mais e que declararam ter pelo menos uma deficiência terminaram o ensino superior. No universo de 102,6 milhões que responderam não ter nenhuma dificuldade, 10,4% acabaram a graduação, menos de quatro pontos percentuais em relação aos portadores de necessidades especiais. A diferença é menor do que na comparação entre os dados sobre a conclusão do ensino fundamental, que representa 22,9 pontos percentuais.

A pesquisadora destaca ainda as diferenças regionais reveladas na pesquisa. "A gente vê que o Sudeste é onde tem o menor percentual. É onde tem um desenvolvimento econômico mais avançado, já está preparado para receber este aluno com deficiência", analisa. A região sudeste apresentou o menor percentual entre os declarados deficientes com 15 anos ou mais, com 52,6 %, enquanto o Nordeste mostrou a maior porcentagem, com 67,7%.

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