Engenheiro quer cursar medicina em memória de filho assassinado

Filho de Benicio Orlando Saraiva Leão morreu após levar uma pedrada

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Para sobreviver à dor de perder o filho médico, Benicio Orlando Saraiva Leão voltou a estudar. Desde fevereiro, o engenheiro aposentado de 68 anos pegou cadernos, retomou leituras, relembra fórmulas e frequenta diariamente o cursinho, em São Paulo. Ao lado de colegas que, em sua maioria, têm idade para serem seus netos, se prepara para prestar vestibular em medicina. “Quero fazer uma homenagem à memória do meu filho que foi tragicamente morto”, conta Leão.

O filho assassinado também se chamava Benicio, era médico acupunturista, formado pela Universidade de São Paulo, e tinha 39 anos. Ele teve traumatismo craniano após ser atingido por uma pedrada durante uma discussão: o médico havia esbarrado com seu carro em uma bicicleta estacionada perto de uma festa na Cidade Universitária. Morreu após uma semana internado no Hospital das Clínicas, em 12 de dezembro de 2015.

Meses depois, Benicio se matriculou no cursinho Hexag, que prepara os alunos com foco no vestibular para medicina. Ele se formou em engenharia mecânica na Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, e atuou por 35 anos em grandes empresas do Brasil. “Fui muito feliz na profissão, foi bastante exitosa, trabalhei em obras gigantescas, nas maiores empresas da área química e de consultoria de projetos do país.”

A família de Benicio é basicamente formada por “exatoídes”, como ele define. A irmã fez pós-doutorado em engenharia e leciona na UFC. Dos quatro filhos que teve, Benicio, o terceiro na escala, e único homem, se formou em medicina, e uma das filhas em pedagogia. As outras duas são engenheiras.

“É uma tradição da família ser de exatas, não sei se por influência minha ou por vocação independente deles. Benicio foi ponto fora da curva, era o único médico da família.”

‘Bala de prata’

O aposentado vai fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além das provas da Fuvest, Universidade Estadual de São Paulo (Unicamp) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Será uma única sequência de tentativas.

“É minha bala de prata para atingir meu objetivo. Queria que todas as pessoas tivessem uma motivação tão séria quanto a minha. Sou movido por uma força interior. Esse é meu propósito de vida.”

Benicio leva muito a sério as aulas. Fica no cursinho das 7h15 às 19h15 de segunda a sexta-feira, vai aos sábados, e aos domingos quando tem simulado. “Pelos meus resultados no simulado até agora, não daria para passar, mas o curso não terminou, estou me esforçando.”

Na sala de aula, diz que é observado por todos, sente o carinho dos colegas e que os professores perguntam por ele quando não está, mas ninguém conhece sua verdadeira motivação para estudar.

Apesar de escrever bem, no início do cursinho chegou a ter nota zero em uma redação. Luta para aprender física moderna, lidar com química orgânica e biologia, seus vilões, e ter agilidade para responder as questões e administrar o tempo de prova.

“Tirei zero em uma das redações, pensei que sabia escrever bem e me dei mal. Aos poucos, fui aprendendo e cheguei a uma nota dez, que foi referência de texto para a sala. Tenho deficiência em humanas, estou aprendendo”, afirma. O engenheiro conta que domina todos os conceitos de física e matemática, se sente psicologicamente preparado para as provas, mas teme não ter a rapidez necessária para conseguir responder as questões no tempo determinado.

‘Dor para sempre’

Diabético, Benicio também já enfrentou um câncer de próstata, passou por cirurgias vasculares, reclamou de dores no dia da entrevista. Se aprovado no vestibular, diz que vai estudar, mas não tem pretensão – e saúde – para atuar. Para ele, só o fato de entrar na faculdade vai servir para dar continuidade ao que o filho representava e amenizar a dor que nunca o deixará.

“Ele foi um cara muito especial. Um garotão que gostava de andar de skate e surfar. Foi um viajante que foi embora muito cedo. A dor de perder um filho é para sempre. Minha vida nunca mais será igual.”

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