A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o programa internacional de pesquisas, HarvestPlus, têm implantado kits de bombeamento de água por energia solar para suprir a falta de estrutura elétrica em regiões mais carentes do Piauí. A primeira unidade instalada com esse tipo de energia foi responsável por dar vazão a cinco mil litros de água por hora, sendo capaz de irrigar até oito vezes mais de área inicialmente prevista.
Henrique Lima (19 anos) foi o primeiro proprietário a receber um kit desse, propiciando-o cultivar uma gama de variedades biofortificadas e crioulas, como milho, batata-doce, feijão, mandioca e etc.
"Hoje eu posso dizer que sou meu próprio patrão, não trabalho somente para sobreviver. Antes, estava vendendo cultivares de feijão-caupi convencionais a cinco reais o quilo. Agora, com a BRS Aracê, de cor verde e rica em ferro e zinco, a demanda me permite vender a variedade a onze reais o quilo. Minha área de produção de biofortificados tem em torno de seis mil metros quadrados, meus amigos quando vêm aqui ficam super curiosos em conhecer, brinco falando que parece um museu. Sou muito agradecido à biofortificação." Relata Henrique, que junto do padrasto, do irmão e da mãe cuidam da propriedade.
A iniciativa pela implantação dos kits veio a partir da demanda por energia de qualidade e barata, pois ainda existem comunidades de pequenos produtores no estado do Piauí que vivem sem acesso a energia elétrica ou que muitas vezes acabam por ter sua irrigação inviabilizada devido ao alto custo do bombeamento de água feito de forma elétrica. Diante desse cenário, o programa brasileiro de biofortificação (BioFORT), coordenado pela Embrapa investiu junto com o HarvestPlus na aquisição dos kits, deixando com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) o investimento em kits de irrigação por gotejamento; com a Fundação Dom Edilberto, o investimento feito foi relacionado às perfurações de poços; e por último, escolas agrícolas deram sua parte de investimento formando os alunos enquanto que instituições, como o Centro Educacional São Francisco de Assis, contribuíram com assistência técnica. Todo esse apoio conjunto compõe a filosofia de segurança produtiva, essencial para garantir o sucesso da colheita no semiárido.
Em março de 2017, ocorreu a implantação da segunda unidade à base de energia solar no Piauí, dessa vez na cidade de Oeiras, na propriedade da agricultora Valdileia de Moura Silva (21 anos), que é só elogios aos alimentos biofortificados, principalmente, por permitirem a ela diversificar sua cadeia produtiva.
"Estou alcançando a minha independência financeira e podendo fornecer não só apenas quantidade, mas também qualidade e, ainda por cima, respeitando sempre os limites do nosso meio ambiente, algo provido graças ao sistema de energia limpa. Como trabalhamos com a cadeia produtiva, uma atividade termina dando contemplação a outra. A agricultura familiar é isso, a união de várias atividades produtivas, uma dando subsídio a outra." Aponta Valdileia, que se mostra orgulhosa de ter sucesso no ambiente rural, ainda majoritariamente masculino. "Realizo o meu sonho de trabalhar com prazer e naquilo que realmente acredito e tenho uma enorme satisfação, tanto pessoal quanto profissional, porque hoje sei que sou um exemplo como mulher e jovem para outros."
O analista da Embrapa Meio-Norte e um dos principais coordenadores de biofortificação no Nordeste, Marcos Jacob de Almeida, contou um pouco mais a respeito do perfil esperado nos agricultores que estão recebendo os kits.
"Estamos no começo da implantação dessas unidades no estado, sendo coerentes em priorizar os mais jovens, com o objetivo de diminuir a falta de sucessão no campo, já que muitos filhos de agricultores acabam tendo que deixar a família para tentar a sorte com trabalhos de baixa remuneração em grandes centros urbanos. O trabalho começa tendo características de avaliação, com as próprias escolas agrícolas nos ajudando a identificar os alunos mais bem avaliados, os que demonstrarem maior interesse, os que possuírem uma produção agrícola regular e também aqueles que tenham comprometimento em desenvolver sua área rural, de modo a retornar para a sociedade o investimento feito neles." Conta o Dr. Almeida para em seguida concluir a respeito da inovação que vem sendo feita no Piauí com a política de segurança produtiva.
"Ao implantarmos essa cadeia de segurança produtiva, criando então as condições necessárias a boas colheitas, seguimos com a distribuição de sementes de qualidade, como é o caso das biofortificadas, aliando tudo isso a uma boa formação que o jovem terá da escola agrícola junto de uma instrumentação eficiente - aqui me refiro, justamente, aos kits de energia solar - teremos todos os pilares de uma agricultura familiar fortalecida e de referência."
O terceiro kit já tem previsão de instalação e será implantado na comunidade quilombola chamada Canadá, localizada em Oeiras, onde da mesma forma haverá primeiro a instalação das fitas gotejadoras para irrigação direta na raiz das plantas e, consequentemente, a instalação seguinte será com placas capatadoras de raios solares responsáveis por provocar o bombeamento de água. A pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos e líder da Rede BioFORT, Marília Nutti, chamou atenção para como a biofortificação, indiretamente, acaba por fortalecer outros aspectos como o aumento de renda e a promoção de maior diversidade entre produtores.
"Temos muitas expectativas quanto aos trabalhos realizados no Nordeste. Prezamos pela diversidade cultural e agrícola de cada região, priorizando a construção de condições para o produtor ou produtora exercer sua total independência, inclusive, para fins comerciais, não apenas de subsistência. Outro aspecto admirável está relacionado com as várias experiências observadas, por exemplo, no Piauí, mostram como a biofortificação vem exercendo um papel importante em aproximar os jovens da ciência, com muitos egressos de escolas agrícolas e mesmo aqueles em último ano de formação mostrando uma vontade de ingressarem em universidades e continuarem estudando biofortificação. Isso é algo que já até virou realidade, onde constatamos diversos trabalhos de conclusão de curso no tema , o que nos anima , pois os estudantes estão abraçando o tema com comprometimento em melhorar a qualidade nutricional e produtiva dos alimentos." Conclui a pesquisadora Marília Nutti.
Mais sobre biofortificação
A biofortificação é uma técnica de melhoramento convencional utilizada para aumentar os níveis de vitaminas e minerais de cultivos agrícolas, com o objetivo de combater a insegurança nutricional, popularmente conhecida como fome oculta. O Brasil apresenta um aspecto diferenciado dos demais países em relação ao desenvolvimento da biofortificação, sendo o único onde o trabalho é realizado ao mesmo tempo com oito culturas: abóbora, arroz, batata doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo. Os investimentos são feitos pelo governo federal, governos estaduais, instituições de pesquisa e organizações internacionais, sendo a principal o programa de pesquisas HarvestPlus, que conta com a ajuda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para coordenar o programa de biofortificação brasileiro (Rede BioFORT).