O surgimento da gripe suína, que causou mortes no México e se espalhou para outros países, no que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica de ?pandemia iminente?, já afetou alguns setores da economia.
As companhias aéreas e as agências de turismo sofreram cancelamentos e adiamentos de viagens, e as indústrias farmacêuticas já sentem o aumento na demanda por medicamentos.
Entretanto, o mercado já prevê efeitos em outros setores. O varejo mexicano, por exemplo, já teve um ganho de curtíssimo prazo, de acordo o banco Credit Suisse, por conta das compras motivadas pelo pânico do desabastecimento. Enquanto isso, os produtos de carne suína dos EUA e do Canadá sofreram embargos de alguns países por medo da doença.
Agronegócio
De acordo com a analista Amaryllis Romano, economista e especialista em agronegócio da consultoria Tendências, a gripe suína pode ser, no fim das contas, um bom negócio para o setor no Brasil. Isso porque, dependendo dos desdobramentos, diferentes segmentos da agropecuária podem a vir a lucrar com a doença.
Caso a doença não chegue ao Brasil, a própria indústria de carne suína pode ter efeitos positivos. A analista explica que os Estados Unidos e o Canadá têm 40% do comércio internacional de suínos, enquanto o Brasil tem 17% de participação. Se a carne desses países for barrada em várias nações, o produto nacional pode conquistar novos mercados.
Hoje, o maior importador de carne suína do Brasil é a Rússia. Entretanto, outros grandes consumidores da Ásia, como a China, podem ver a necessidade de abrir o mercado para o produto brasileiro ? hoje, o país ainda negocia a habilitação de frigoríficos para exportar para o território chinês.
E mesmo que haja alguma restrição para a carne suína brasileira ? afetando negativamente este segmento ?, Amaryllis diz que o Brasil produz todos os eventuais substitutos para o produto.
?O que tem acontecido desde (o início dos anos) 2000 é que a gente tem sido beneficiado por todas as confusões internacionais?, ressalta a economista.
Ela explica que, no caso da gripe suína, o país poderá contribuir para uma eventual substituição do produto porque é o líder mundial na produção de carne bovina e disputa o primeiro lugar no setor de aves. Além disso, é o principal produtor de soja, proteína vegetal que substitui a carne.
Consumo
A busca por novos fornecedores mundiais de carne de porco pode se concretizar, de acordo com Amaryllis, da Tendências, porque, embora o consumo de carne bovina e de aves predomine no Brasil, a carne suína é a mais consumida em diversos países do mundo.
Enquanto o consumo per capita de carne no Brasil por ano é de 87,9 quilos de carne ? mas somente 12,1 quilos de carne de porco ?, na China a média por habitante é de 49,9 quilos, sendo quase 70% de origem suína. No Japão, a média é de 44,1 quilos de carne, sendo quase a metade de porco.
Se surgisse uma oportunidade de aumentar as exportações, o Brasil poderia atender novos mercados, de acordo com Pedro de Camargo, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), pois hoje o país só vende cerca de 20% de sua produção para o mercado externo.
Para proteger a reputação da carne de porco, a Abipecs e outras associações de agronegócio ao redor do mundo enviaram documentos à Organização Mundial de Saúde pedindo que o nome do surto de gripe fosse modificado.
?Não tem suíno doente nem no México. Essa desinformação nos causa problemas e eventuais prejuízos?, diz Camargo, justificando o pedido.
A OMS acabou por atender o pedido na quinta-feira (30), quando anunciou que o nome oficial da gripe suína havia sido substituído por ?gripe A (H1N1)?.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, veio a público nesta semana para tentar evitar que o problema venha a afetar o setor no país. Ele afirmou que, se fosse preciso, até convidaria o presidente Lula para comer um porco no rolete.
Turismo
Embora o efeito do surto de gripe suína ainda não esteja claro para o agronegócio, para o turismo o problema é palpável.
?O movimento começou a cair na sexta-feira passada. Para Estados Unidos e México, parou. Para outros destinos, teve redução geral?, informa Solange Pallas, diretora comercial da agência Flytour Paulista.
?A gente vende semanalmente cerca de 20 a 30 pacotes para os EUA e de 10 a 20 para o México. Mas nos últimos dias não vendemos nada para o México e para os EUA também não tive venda na última semana?, afirma Alexandre Gigante, coordenador de marketing da operadora Luxtravel.
Mesmo vendas já feitas estão dando prejuízo. Viagens reservadas têm sido canceladas ou adiadas. Na Luxtravel, com foco no mercado corporativo, dois grupos cancelaram convenções em locais onde a doença apareceu. ?As empresas estão cancelando reuniões e adiando compromissos em pelo menos 20 dias?, diz Marcela Andreta, gerente de comunicação e marketing da operadora.
Para as companhias aéreas, até agora a maior perda foi no valor de suas ações. Na última segunda-feira (27), quando a gripe passou a preocupar o mundo, os papéis de grandes companhias tiveram quedas de até 10%. Por aqui, as ações da TAM perderam 6%, enquanto as da Gol ? que sequer voa para destinos onde a gripe suína foi detectada ? teve queda de 2,37%.
Consultada pelo G1, a TAM informou que não verificou queda nas vendas até esta quinta-feira. ?A queda nas ações na verdade é um temor com certo grau de realidade. No setor financeiro há uma especulação forte, e também uma antecipação muito grande de eventos que podem afetar o mercado?, explica Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios.
Pacotes nacionais
Mas a gripe suína também pode gerar efeitos positivos no setor. Segundo Alexandre Gigante, as vendas de pacotes nacionais registraram uma alta de quase 50% na operadora.
E pode seguir crescendo: ?Eu acredito que o turismo nacional vai se fortalecer muito. A gente já está começando a vender a temporada de férias, e a procura do nacional cresceu bastante. Para nós, que temos um portfólio 70% voltado para o mercado nacional, deve ser muito positivo até.?
?O que estamos falando para os associados é para orientar a adiar ou dar opção de outros destinos. Se isso acontecer, nós não vemos como crise, mas como inversão de procura?, diz Leonel Rossi Junior, diretor de Assuntos Internacionais da Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav).
Farmacêuticas
Embora a demanda por medicamentos contra a gripe tenha aumentado, e causado impacto positivo nas ações dos laboratórios no mercado internacional, o impacto econômico da gripe suína não deve ser sentido pelo setor farmacêutico brasileiro.
A Roche, fabricante do medicamento antiviral Tamiflu, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as vendas do medicamento da farmacêutica para distribuidoras estão suspensas no Brasil. Isso porque os medicamentos que restavam em estoque da Roche foram enviados ao Ministério da Saúde.
Ainda de acordo com a assessoria, não há previsão de quando novas remessas do medicamento devem chegar ao Brasil. A prioridade é atender a OMS, em segundo lugar, os governo, e, em terceiro apenas, o comércio. O Tamiflu não é produzido no país.