Evitar o desmatamento já dá dinheiro no Brasil. Programas de organizações não-governamentais garantem renda a proprietários de terras com floresta nativa em bom estado manterem suas áreas, garantindo a conservação da biodiversidade. Nas áreas de Mata Atlântica, há proprietários recebendo até R$ 7 mil para deixar a floresta intocada.
O debate sobre a conservação das florestas já existentes ganhou força nesta semana na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, na Dinamarca. Um levantamento do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, mostra que existe uma série de projetos no país dentro deste conceito, em várias fases de implantação (veja mapa abaixo para detalhes).
De acordo com o doutor em ecologia Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o problema é que, no Brasil, as iniciativas existentes ainda seguem uma "lógica própria", uma vez que ainda não existem regras nacionais ou locais para este tipo de projeto.
"Não há padronização." "Desmatamento Evitado" O projeto "Desmatamento Evitado", da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), tem parceiros como HSBC Seguros, O Boticário, Grupo Positivo e Rigesa Indústria de Papel. Essas empresas adotam propriedades que recebem, em média, R$ 2,4 mil por mês para garantir a preservação da biodiversidade na Mata Atlântica com presença de araucárias. A maior das áreas incluídas no projeto, porém, recebe R$ 7,1 mil mensais.
O valor é pago por hectare e, de acordo com o biólogo Denílson Cardoso, coordenador do projeto, o cálculo do pagamento é feito com base na capacidade de absorção de carbono da vegetação. Em média, de acordo com Cardoso, os proprietários recebem R$ 300 por ano para cada hectare de mata preservada.
No caso da SPVS, são preservados 2,4 mil hectares, com um investimento total de R$ 540 mil ao ano. Segundo a organização, o bioma de Mata Atlântica com presença de araucárias tem menos de 1% de sua área original preservada em bom estado.
O "Desmatamento Evitado" prioriza manter em pé o que ainda existe, em vez de focar em replantio de mudas ou reflorestamento. Desta forma, explica Cardoso, garante-se a manutenção da biodiversidade dessas áreas. O diretor-executivo da SPVS, Clóvis Borges, admite que o valor repassado aos agricultores ainda é "simbólico".
Por isso, ele acaba por atrair aqueles que já tinham a intenção de preservar a floresta. Com os valores atuais, a ajuda de custo serve para os proprietários paguem impostos, façam melhorias na área, construindo cercas e infra-estrutura para a propriedade, e também arquem com o custo de funcionários, caso necessário.
‘Sonhador’
Durante 30 anos, José Orlando Crema, 60 anos, foi chamado de “louco” e “sonhador” pelos vizinhos de propriedade, que ganham dinheiro com áreas de reflorestamento. Crema, que mantém 30 mil pés de araucária em 155 hectares, diz que a parceria com a SPVS validou sua aposta em manter a floresta em pé.
O proprietário recebe pouco mais de R$ 2 mil por mês da HSBC Seguros. Desde 2007, quando entrou no programa, já realizou melhorias na propriedade: mudou as cercas, contratou um guardião e também melhorou a infra-estrutura para receber melhor os estudantes de universidades que visitam a floresta para pesquisar biodiversidade.
Além disso, reduziu a criação de carneiros que mantinha – hoje os animais são mantidos cercados e longe das árvores. Engenheiro florestal de formação, Crema foi professor e hoje complementa a aposentadoria com a renda da pequena construtora da família. Ele mora em Curitiba e costuma passar os fins de semana na mata que mantém em Bocaiúva do Sul, a 70 quilômetros da capital.
Lá, até a criação de abelhas que mantém está prestes a se adequar ao ideal da biodiversidade: ele substituirá as colméias de abelhas comuns pelas de abelhas nativas da floresta com araucárias. Outro exemplo de propriedade beneficiada pelo programa é do aposentado Pedro Opuchkevich, de 56 anos, da cidade paranaense de Prudentópolis. Ele recebe cerca de R$ 1,1 mil por mês para preservar a área de floresta comprada por seu pai há 45 anos.
Com o dinheiro que recebe, pretende fazer melhorias, como a instalação de energia elétrica na propriedade, o que custará cerca de R$ 7 mil. Ganho de escala Como não existe regra para projetos de desmatamento evitado no país, Clóvis Borges diz que cada instituição trabalha com seu próprio método para garantir a preservação. Ele admite que a ação da SPVS “tem algo de desespero”. “Nós atuamos como bombeiros. O nosso desafio é ganhar escala, pois ainda não fechamos um modelo que seja aplicável para o Brasil inteiro”, ressalta.
Enquanto a SPVS remunera seus produtores a partir de uma metodologia de absorção de carbono, um projeto da Fundação O Boticário nas margens da represa do Guarapiranga, que abastece 4 milhões de pessoas no estado de São Paulo, usa um método completamente diferente: remunera as propriedades com base em colaboração para a manutenção do fluxo e da qualidade da água.
As propriedades incluídas no projeto da Fundação O Boticário recebem, em média, R$ 15,5 mil ao ano, ou pouco menos de R$ 1,3 mil por mês. A maior área, porém, tem 270 hectares de mata preservada e recebe R$ 93,7 mil ao ano, ou R$ 7,8 mil mensais. Segundo a diretora-executiva da fundação, Malu Nunes, os contratos de pagamento pela preservação das áreas foram firmados por cinco anos.
Ao fim deste prazo, ela espera que o mercado de pagamento por serviços ambientais no Brasil já esteja desenvolvido. “[É preciso] criar um mercado de serviços ambientais, um marco legal”, diz Malu. Para Borges, da SPVS, é preciso que os serviços ambientais sejam tratados como “ativos passíveis de pagamento”.
À medida que o cálculo do que deve ser remunerado ficar mais abrangente, diz o ambientalista, os proprietários das áreas poderão receber mais por um maior número de serviços oferecidos por suas propriedades, como biodiversidade, polinização, contribuição para o equilíbrio climático e conservação do solo, por exemplo.