Em um ano, a costureira Elizabeth dos Santos Fernandes, de 59 anos, adquiriu três produtos sem colocar a mão no bolso: uma cafeteira, um ventilador e um chuveiro. Os produtos foram trocados por pontos acumulados no cartão de crédito ? que antes Bete, como é conhecida, afirma que deixava expirar sem se dar conta que valiam alguma coisa.
?Faz tempo que eu tenho o cartão, mas por uma época não ligava para aquilo, não [os pontos]. Depois eu fui ver que eles expiravam e percebi que dava para trocar por produtos?, explica. Hoje, Bete monitora os bônus e até deixa acumular por algum tempo para trocar por algo de maior valor. ?O ventilador, eu acho que vale uns R$ 60, que é o preço que eu paguei por outros dois que tenho em casa?, revela. O chuveiro ela avalia em cerca de R$ 40.
Assim como Bete, muitos consumidores acumulam pontos no cartão de crédito mas, muitas vezes por desconhecimento, acabam deixando de trocá-los por produtos, descontos ou mesmo por milhas em passagens aéreas ? a opção mais comum.
Com cada vez mais adesões, programas de acúmulo de bônus existem nos principais bancos e companhias aéreas do país. Também existem no comércio ? como varejistas, farmácias e postos de gasolina. Além disso, redes permitem que pontos existentes em uma empresa sejam convertidos e trocados por produtos em outra. O G1 ouviu instituições financeiras, programas de fidelidade e especialistas para dar dicas e saber como o consumidor pode aproveitar as vantagens.
1º passo: informe-se sobre os programas
O primeiro passo é buscar informações sobre onde é possível acumular pontos e se cadastrar nos programas, sugere Eduardo Gouveia, presidente da Multiplus, que reúne mais de 190 parceiros.
O cadastro é teoricamente simples. Por exemplo, se o consumidor está na farmácia, ao pagar a compra no caixa, o aconselhável é perguntar se a rede possui um programa de pontos e como deve ser feito esse cadastro ? o mesmo vale para o posto de combustível, a companhia aérea etc.
O procedimento deve ser feito também nas compras pela internet, ou seja, deve-se procurar na loja virtual se há um campo para o cadastro ou se a empresa é parceira de alguma rede ? se for, é preciso fazer o cadastro na rede.
Às vezes, uma mesma compra pode acumular pontos em dois canais, lembra Gouveia. Por exemplo, os gastos com combustíveis podem acumular pontos no programa do posto de gasolina e, ainda, no cartão de crédito ? caso a compra seja paga com ele.
No cartão de crédito, consumidor deve se informar no banco se seu cartão acumula pontos (veja quadro ao final da reportagem) e se cadastrar ? em alguns casos, o cadastro é automático e é possível que a pessoa esteja acumulando bônus sem saber.
Economistas, contudo, afirmam que é preciso tomar cuidado com o cadastro no cartão de crédito, porque algumas instituições financeiras oferecem o programa apenas para determinados tipos de cartões que, muitas vezes, possuem anuidade mais cara.
?A conta é a seguinte: o consumidor tem que ver, em média, quanto ele gasta no cartão e quantos pontos isso daria. Depois, ele precisa calcular o que ela poderia comprar com esses pontos [os ?preços? são disponíveis nos sites dos programas] e ver se esse beneficio é maior do que o aumento da anuidade ou se é mais barato?, explica Samy Dana, professor de finanças da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
2º passo: monitore os pontos
O segundo passo é monitorar o acúmulo desses pontos. Cada empresa possui seu programa individual ? muitas vezes o acompanhamento é feito pela internet ou por telefone.
?A maioria das pessoas não usa [os pontos] porque nem sabe que tem. Se você perguntar, elas poucos sabem em quantos programas são associadas (...). De nada adianta se cadastrar se você não sabe quando os pontos expiram nem quantos você tem?, diz Dana.
Dessa forma, o interessado em "tirar vantagem" de algum desses programas precisa ficar em cima, uma vez que a pontuação costuma expirar dentro de 24 a 36 meses. Fazer o cadastro nas redes que "convertem" os pontos de várias empresas também é uma opção (como Multiplus e Dotz), tendo em vista que os pontos da livraria, por exemplo, podem acumular com os da farmácia e, juntos, somarem mais para a troca por uma passagem aérea, por exemplo.
Na Multiplus, por exemplo, os produtos das empresas parceiras podem ser trocados no próprio site, que já aponta quanto "custa", em bônus, os produtos. Nesse caso, o consumidor precisa fazer o cadastro tanto no site da rede como nas empresas participantes ? e não esquecer de pedir os pontos nas compras ? que vão acumulando no sistema automaticamente conforme as compras vão sendo feitas.
3º passo: faça os resgates
É preciso entender como funciona a troca. Muitos cartões de crédito, por exemplo, têm parceria com companhias aéreas, mas os pontos precisam ser transferidos de uma empresa para a outra (a transferência, geralmente, pode ser feita pela internet, mas às vezes é necessário entrar em contato por telefone).
A troca por passagens aéreas ? uma das mais populares ? também precisa ser bem planejada. Isso porque, muitas vezes, os assentos das companhias lotam com antecedência e em cima da hora pode ficar mais difícil encontrar vagas ou ficar mais caro.
Na TAM, por exemplo, o consumidor pode resgatar os pontos a partir de 3 e 6 meses de antecedência, mas a companhia aérea adverte que a troca depende da disponibilidade de assentos ? quanto mais perto da data do voo, menos poltronas estão disponíveis e o passageiro pode não conseguir resgatar ? situação que ocorre também nas demais companhias.
No caso da Azul, por exemplo, a empresa também diz que em cima da hora podem não existir assentos ou os preços estarão mais elevados, o que reflete também no resgate dos pontos (que, no caso, são trocados por vales de R$ 50 ? veja ao final da reportagem). Na Gol, a empresa informa que é possível resgatar as milhas para usar em bilhetes de viagem nacionais até 90 minutos antes do voo ? mas também depende da disponibilidade de vagas.
Conversão e validade
Na hora de converter os pontos de programas individuais de empresas para os das redes, o consumidor precisa estar ciente que não há um padrão entre os bônus. Por exemplo, na Livraria Cultura, parceira da Multiplus, cada R$ 1,00 em compras equivale a 4 pontos do programa interno, chamado ?+cultura?. Porém, são precisos 5 pontos ?+cultura? para transformá-los em apenas um 1 ponto Multiplus. ?A pontuação depende do desenho de cada empresa, realmente não tem padrão?, diz Gouveia.
O professor de finanças Silvio Paixão, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), sugere ainda que o processo de troca de pontos por produtos deve ser calculado com atenção pelo consumidor. ?Sugiro prestar atenção nos preços?, diz. Ele dá a dica: se uma batedeira, por exemplo, "custa" 10.000 pontos, o consumidor deve calcular quanto é uma batedeira no "mercado convencional" e comparar, por exemplo, se a troca por outro produto não é mais vantajosa.
Cuidados e dicas
Apesar de parecer bastante atraente, economistas revelam que é preciso ter bastante cuidado com os programas e orientam que o consumidor não pode ficar "refém" das campanhas. Isso porque, em geral, há estímulo para o consumo.
?Nem sempre é vantagem. Às vezes a pessoa está pagando mais caro no posto que acumula pontos, mas provavelmente o que ela paga mais caro não compensa o valor do bônus?, explica Dana, da FGV. ?Use somente quando não estiver pagando mais caro para isso?, diz Dana.
Na prática, a dica dos economistas é simples: usar o cartão apenas quando ele já seria usado, e conscientemente, sem aumentar o consumo de forma a procurar acumular mais pontos. É recomendável, contudo, avaliar o que é vantagem. Se uma compra seria feita de qualquer jeito, vale pagar no cartão de crédito (que acumula pontos) em vez do débito (onde não há acúmulo), por exemplo ? desde que o consumidor não esteja endividado no cartão.
Dana também orienta que os consumidores procurem fazer as compras nas empresas que acumulam os pontos ou participam da mesma rede, de forma a juntar mais bônus ? a dica vale, contudo, desde que o preço seja o mesmo ou mais barato do que na concorrência. ?Normalmente, a vantagem do ponto é irrisória, em caso de o preço estar mais caro, não vale a pena?, avalia.
"Se a pessoa usar o cartão de maneira prudente e conseguir tirar vantagem sem custo adicional, os benefícios compensam. Mas a pessoa precisa realmente parar, analisar e chegar à conclusão", diz o economista Paixão. Com base nisso, a dica dele é: pagar tudo o que for possível no cartão de crédito para acumular pontos (sabendo que é para usar dentro do limite e sem entrar no rotativo, pagando as contas em dia). "É preciso prestar atenção se aquilo que se consumiu era necessário. As pessoas compram muito por impulso, e às vezes não precisam", alerta.
A costureira Bete, por exemplo, segue sem saber o conselho: ela afirma que não aumentou o consumo mensal nem passou a ficar "neurótica" pelos pontos acumulados no cartão. ?Eu uso normal. De vez em quando eu vou lá e dou uma olhadinha para ver o que dá para trocar?, revela.
Crescimento
As empresas informam crescimento no número de participantes dos programas, o que aponta que o brasileiro usufrui cada vez mais dos bônus.
Na Gol, a média de novas adesões em 2011 no programa Smiles foi de 60 mil, crescimento de 10% sobre 2010. De acordo com a companhia aérea, são 8,5 milhões de clientes cadastrados.
A Multiplus Fidelidade também aponta crescimento. A rede fechou o primeiro trimestre com 9,8 milhões de participantes, crescimento de 18,5% sobre o mesmo período do ano passado e de 4,3% sobre o trimestre anterior. No primeiro trimestre deste ano, o faturamento da Multiplus cresceu 26,7%, a R$ 430,8 milhões. Em todo o ano de 2011, a empresa cresceu 165%, com faturamento de R$ 1,4 bilhão.
A Dotz, outra empresa especializada na área de programas de fidelização de clientes, existe desde 2009. De la para cá, a empresa aumentou de R$ 20 milhões para R$ 200 milhões seu faturamento. Atualmente, são 2,38 milhões de clientes em todo o Brasil.
A TAM diz ter atualmente 8,9 milhões de associados no TAM Fidelidade. Desde que foi lançado, em 1993, programa já distribuiu mais de 18 milhões de bilhetes por meio de resgate de pontos. ?Nos últimos dois anos emitimos aproximadamente a mesma quantidade de bilhetes prêmios que haviam sido emitidas nos primeiros 16 anos de programa?, diz a empresa.
Na azul, o programa existe desde 2009. O número de cadastrados mais do que dobrou até 2011, de 755 mil para 1,85 milhão ao fim do ano passado.