O patrimônio líquido das aplicações em recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em ações da Petrobrás e da Vale diminuiu R$ 662 milhões este ano. Os dados consolidados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) até o fim de março apontam que o montante aplicado nos fundos encerrou dezembro em R$ 5,588 bilhões, mas agora está em R$ 4,926 bilhões.
A queda no patrimônio dos fundos se acumula nos últimos anos e ocorre por diversos motivos. No caso da Petrobrás, há uma insatisfação de parte do mercado com a política de controle de preços do combustível promovida pelo governo. Em relação à Vale, houve uma rejeição no processo de como o governo atuou na troca de comando da empresa e, mais recentemente, há um temor com a desaceleração da economia chinesa - a empresa é grande exportadora de minério de ferro para o país asiático. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez um alerta para que os países emergentes se ajustassem à "nova China" por causa da expectativa de crescimento menor para o país.
"Grande parte do problema desses fundos é o mesmo enfrentado pelos acionistas que compram ações diretamente da Petrobrás e da Vale: a mudança na forma de gerenciar essas empresas no governo Dilma", afirma Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.
A maior parte da perda de patrimônio este ano está concentrada na Vale: queda de R$ 458,49 milhões. Na Petrobrás, o recuo é de R$ 203,34 milhões. Com relação a rentabilidade, os fundos que investem na petroleira perderam 6,72%, e os da mineradora recuaram 12,31%.
Pelo menos para os fundos do FGTS que investem em ações da Petrobrás, houve um alívio em março. Segundo a Anbima, esses fundos subiram 14,98%, revertendo parte das fortes quedas de janeiro (13,93%) e fevereiro (5,74% ). Já os fundos da Vale caíram 4,79% no mês passado.
A melhora da Petrobrás acompanhou a subida da Bolsa. Em março, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) - principal termômetro do mercado acionário do País - avançou 7,05%, a maior alta mensal desde janeiro de 2012. As ações das empresas estatais puxaram o índice e foram impulsionadas pela queda na popularidade do governo, o que, para analistas, indica uma chance maior da oposição nas eleições de outubro e a possibilidade de uma gestão considerada menos intervencionista pelo mercado assumir o País a partir de 2015 e, assim, estabelecer uma política de preços para a petroleira.
"A queda da aprovação acabou criando uma aposta de que possa haver uma mudança de governo e de política para as empresas estatais, mas é muito numa expectativa que pode ou não se confirmar", afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
Apesar da perda de rentabilidade dos últimos anos, as aplicações em FGTS se revelam positivas no longo prazo. De agosto de 2000 até quinta-feira, quem adquiriu ações da Petrobrás teve ganho de 251,94%, segundo cálculo do Instituto FGTS Fácil. O resultado supera largamente o desempenho do tradicional FGTS, cujo rendimento é de 3% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR), que no período rendeu 88,27%.
Os trabalhadores que aplicaram nas ações da Vale ganharam 621,94% desde fevereiro de 2002. No período, o FGTS rendeu 73,11%.
Dinheiro bom. O investimento de parte do FGTS em ações foi bastante popular no início da década passada e chegou a ter ganhos expressivos, sobretudo antes da crise financeira internacional iniciada em 2008. A aplicação ajudou, por exemplo, a servidora pública Maria Claudia Paiva, de 41 anos, a comprar uma casa própria no bairro da Penha, zona leste de São Paulo. "Eu usei o dinheiro no fim de 2010", afirma ela, que investiu em papéis da Vale.
Na época do saque, ela juntou os recursos com os do irmão e da mãe para adquirir o imóvel. "Fiquei sabendo da possibilidade de investimento pela imprensa. Na época, foi um burburinho muito grande", diz ela. "Eu não acompanhava muito, mas sabia que qualquer valor seria melhor do que rendia o fundo de garantia. Foi um dinheiro bom."
Popularização nos anos 2000. A possibilidade de comprar ações de empresas brasileiras com o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi permitida pelo governo brasileiro no início dos anos 2000. O limite para aplicação era de 50% da conta individual de cada trabalhador. O investidor também tinha direito à isenção de Imposto de Renda sobre o preço da ação desde que ela não fosse vendida em menos de um ano. A aplicação lastreada em papéis da Petrobrás começou em agosto de 2000. Na época, o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso estimou que 320 mil pessoas compraram ações da petroleira com FGTS. O valor chegou a R$ 1,5 bilhão.
No caso da Vale ? chamada da Companhia da Vale do Rio do Doce ?, o início foi em fevereiro de 2002, também na gestão FHC. De acordo com números do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgados na época, 791 mil pessoas compraram ações das mineradora ? 728 mil usaram o fundo de garantia. O valor investido na época superou as expectativas do governo. A demanda somou R$ 3,4 bilhões, mas o limite fixado era de R$ 1 bilhão, o que fez com que os investidores recebessem apenas 29% do que reservaram na época para aplicação. A venda pulverizada das ações da Petrobrás e da Vale foi uma das medidas usadas pela administração tucana para reforçar o caixa do governo. Para exemplificar, toda a negociação envolvendo os papéis da mineradora totalizou R$ 15,3 bilhões, o triplo da oferta, o que garantiu uma receita de R$ 4,4 bilhões.