O número de bancos com moedas próprias dobrou nos últimos cinco anos no Brasil, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Em 2009, existiam 51 instituições no país; agora, são 104.
Em 2013, os bancos, que são geridos por associações de moradores, foram responsáveis por movimentar R$ 18 milhões em crédito produtivo e 600 mil nas chamadas ?moedas sociais? - o dinheiro tem lastro em reais e pode ser aceito apenas por comerciantes credenciados na região do banco.
As moedas sociais são usadas para estimular o comércio de áreas carentes. Elas garantem que o dinheiro circule apenas entre comerciantes e moradores localmente, e não se disperse por outros lugares, como acontece com o real. Assim, o retorno econômico é garantido.
Além disso, os bancos comunitários também são criados para contornar a falta de serviços bancários em bairros e cidades do país. Eles ainda são importantes por causa de seus papéis sociais - como são controlados por associações de moradores, a própria comunidade é quem decide para onde o investimento será direcionado, já que é ela quem aprova os empréstimos.
Regras
Hoje, as instituições estão concentradas no Nordeste (51), região que é seguida por Sudeste (27), Norte (16) e Centro-Oeste (10). Segundo a Rede, não há bancos comunitários no Sul. O principal estado é o Ceará (37), lar do Instituto Palmas, responsável pelo primeiro banco do país: o Palmas, aberto em Fortaleza em 1998.
As instituições são abertas com a ajuda de grupos que têm respaldo do Banco Central, como o próprio Instituto Palmas. ?Prefeitos ou moradores nos procuram para abrir um banco e nós fazemos o projeto. É preciso em média R$ 60 mil para começar, comprar equipamentos e fazer moeda?, diz Joaquim Melo, coordenador do instituto e diretor da Rede.
Além disso, é preciso seguir algumas regras: uma moeda social deve valer R$ 1; deve existir o câmbio entre as moedas; a circulação do dinheiro deve ser restrita à região do banco e deve existir livre aceitação - ou seja, ninguém é obrigado a aceitar a moeda.
Quando aprovado o projeto, inicia-se a formação financeira das pessoas que vão gerir o banco, que são moradores da própria comunidade e que geralmente nunca trabalharam na área. Elas contam com o apoio dos institutos durante um tempo, mas depois estão por conta própria.
O último banco inaugurado foi em Maricá, no Rio de Janeiro. Ele foi feito em parceria com o Instituto Palmas e com a prefeitura, que fundou o Bolsa Mumbuca, uma complementação de renda semelhante ao Bolsa Família, mas que utiliza a moeda social mumbuca. Diferente das outras instituições já existentes, porém, o projeto é o primeiro do país a utilizar a moeda social eletrônica, com um cartão de débito.
Segundo Melo, um banco na periferia de Fortaleza deve ser o segundo do país a receber a moeda eletrônica. ?Governos de muitos municípios estão no ligando, pois a ideia é boa não só para quem consome, mas também para quem produz?, diz.
Editais
Segundo especialistas e pessoas envolvidas na área ouvidos, o aumento do número de bancos desde 2009 foi causado pelo apoio da Secretária Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego. Desde 2010, o órgão lança editais para estimular a abertura de novos bancos e manter os que já existem.
?O papel da secretaria foi importante, pois é difícil para cooperativas e associações de moradores conseguir financiamento. Assim, o potencial já existia, mas faltava o dinheiro?, diz Augusto Câmara Neiva, coordenador do Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol-USP).
O governo já repassou R$ 22,5 milhões para o setor através de dois editais - um em 2010, que gerou um pico de bancos em 2011 (20) e 2012 (32), e outro em 2013, que ainda está sendo consolidado. ?Os bancos são geralmente criados em pequenas cidades pobres, mas outros também são abertos em bairros carentes de capitais. O fundamental é que pertença à população?, diz o secretário Paul Singer.
Com os contratos firmados no ano passado, a secretaria espera que o número de bancos comunitários no país suba para 191 em 2015. Este crescimento deve ser direcionado para o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, já que os editais estimulam a criação dos bancos em regiões mais pobres dos país. "Damos pontos a mais para projetos nestas áreas", diz Manoel Vital de Carvalho Filho, diretor de fomento à economia solidária da secretaria.
Dependência do governo
Segundo Neiva, a maior parte do dinheiro dos editais é usado para manter o contrato dos funcionários dos bancos, pois o crédito para oferecer empréstimos é arrecadado por meio de eventos, como festas de bairro, por exemplo.
Por causa disso, quando o período de contrato previsto no edital acaba, os salários também acabam. ?Por isso, é muito importante que novos editais sejam abertos?, diz o professor.
O Banco Comunitário Padre Leo Comissari, em São Bernardo do Campo, no ABC, passou por essa situação. Durante um ano, os funcionários foram pagos por meio do Nesol-USP - instituição que ganhou o primeiro edital federal para gerenciar e abrir bancos no Sudeste. ?Quando acabou, cada um teve que se virar. Mantivemos o banco voluntariamente?, diz a agente de desenvolvimento solidário Maria Vani de Caldas Villani.
O banco não chegou a fechar, mas limitou seu funcionamento. Com o novo edital de 2013, uma instituição do Espírito Santo é a nova responsável por ajudar a instituição a se manter. ?É difícil depender de edital, mas a nossa intenção é que, agora, com o novo contrato de um ano e meio, a gente consiga fazer novos parceiros para garantir um financiamento constante?, diz Villani.
A secretaria reconhece que ainda existem dificuldade na política de apoio. ?Editais demoram de ser feitos e apurados, bem como o repasse de recursos e o apoio técnico. (...) É um processo de maturação, que vai levar um tempo que ainda não sabemos. Estamos aprendendo com tudo isso e aperfeiçoando a política?, diz Carvalho Filho.