“Herança” da crise mundial será sentida até 2010 na indústria, dizem economistas

Com a notícia da retomada do crescimento, o governo federal já prevê crescimento de 1%

Crise com efeitos até 2010 | Divulgação
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O Brasil saiu da recessão ao crescer 1,9% no 2º trimestre, após dois trimestres de retração da economia. A divulgação do resultado que mostra alívio para a economia brasileira quase coincidiu com o aniversário de primeiro ano do agravamento da crise, marcada pela quebra do banco americano Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008.

Com a notícia da retomada do crescimento, o governo federal já prevê crescimento de 1% para este ano e avanço de cerca de 4,5% para 2010. Entretanto, segundo especialistas ouvidos pelo G1, setores mais afetados pela crise, como a indústria, só se recuperam a partir do meio do ano que vem.

O economista João Manuel Cardoso de Mello, diretor da Facamp (Faculdades de Campinas), prevê que, diferentemente do que tem estimado o governo, o Brasil deve fechar o ano com variação negativa do PIB, entre -0,5% e -1%. Para 2010, ele acredita que haja expansão, mas não no mesmo ritmo observado nos últimos anos.

?Eu acho que o país vai crescer, mas não 4% como vínhamos fazendo ultimamente. Vamos devagarzinho, porque esse panorama mundial não é muito favorável?, diz ele.

Indústria: marcha lenta

Luiza Rodrigues, economista do banco Santander, acredita que ?a indústria terá uma melhora bem lenta, coerente com a recuperação dos Estados Unidos e da Argentina?. Ela lembra que esses países são importantes parceiros comerciais do Brasil e foi justamente a queda das exportações que mais impactou a indústria brasileira.

?Só no meio de 2010 é que a indústria deve recuperar o uso da capacidade instalada que tinha em 2010?, diz a economista. O uso da capacidade instalada é uma medida de ociosidade da indústria. Se as empresas ainda podem aumentar sua produção sem comprar máquinas e aumentar instalações, têm menos motivos para fazer investimentos e contratações, o que impulsionaria ainda mais a economia.

De acordo com Evaldo Alves, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a demanda por bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos e carros, foi mantida no mercado interno por conta dos estímulos dados pelo governo, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). ?Mas isso não compensou a queda das exportações?, diz ele.

Por conta disso, o investimento teve no primeiro trimestre a maior queda desde 1996, início da série histórica. ?O investimento nem começou a se recuperar?, diz Luiza Rodrigues. ?No segundo trimestre o empresário ainda estava desconfiado se a situação ia mesmo melhorar?, diz a economista do Santander, que acredita em melhora só a partir do terceiro trimestre de 2010.

Ela lembra que o impacto da crise na indústria fez com que o emprego no setor caísse por nove meses seguidos. ?Só em julho passou a haver uma tímida recuperação."

Mundo

Para Evaldo Alves, os países emergentes estão saindo mais rapidamente da crise. Segundo o economista da FGV, ?o Brasil não é o mais rápido nem o mais ágil [entre eles, mas] está começando a sair da crise".

Mello vê uma retomada do crescimento econômico mundial ainda distante. Na avaliação dele, os principais desafios para que a economia global volte aos tempos de expansão são a regulação do sistema financeiro e definir como será o novo modelo econômico mundial.

?É preciso definir qual o padrão de crescimento que é possível. É impossível repetir o que se fez no passado, [como o] modelo de basear o crescimento no consumo dos EUA. Depois da crise, isso já não funciona?, afirmou.

Na opinião de Mello, a crise mudou definitivamente o papel de cada país no cenário econômico mundial: principalmente dos EUA, que perderam a hegemonia observada nos últimos anos, e a China, que se destaca como motor da economia global.

?[Essa mudança] será definitiva. Nenhum país terá a hegemonia que os EUA tiveram nos últimos anos. Apesar disso, ele continuará um país importante devido ao tamanho de sua economia, que representa 25% da demanda mundial?, diz o economista da Facamp.

Salários e preços

Para Luiza, do Santander, o impacto da crise não foi pior no Brasil principalmente por causa do aumento do salário mínimo. ?Isso trouxe um impulso para a massa salarial. A demanda interna está alta. E ano que vem o reajuste deve ser ainda maior?, diz ela.

Nos últimos anos, em acordo com sindicalistas, o governo se comprometeu a adicionar à variação da inflação o crescimento do PIB de dois anos antes. Portanto, em 2010, o aumento refletirá a expansão em 2008, que ficou acima de 5% no país.

O economista da FGV diz acreditar que a economia brasileira está mudando. ?A economia está se voltando mais ao mercado interno para tentar sair da crise. ?Mas é um processo lento, são dois ou três anos de recuperação.?

Para a inflação, as perspectivas também são boas em 2010. ?Caiu muito a demanda, não há quase pressão inflacionária?, diz Alves. Segundo Luiza, a inflação no Brasil é composta por 70% de preços livres e 30% de preços administrados, como conta de luz, água e telefone. ?Como a inflação pelo IGP-M [taxa usada para reajustar as tarifas] será baixa, isso vai compensar outros preços que vão subir?, explica.

Para o emprego, porém, Alves prevê que só daqui a dois a três anos o país volte a ter o nível de ocupação que tinha antes do início da crise.

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