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Financiamento climático, agro e adaptação: os desafios do Brasil rumo à COP30

O Seminário “A Socioeconomia do Clima”, realizado no Rio de Janeiro nos dias 25 e 26 de maio reuniu especialistas nacionais e internacionais para debater os caminhos e desafios da transição climática no Brasil e no mundo.

Seminário 'A Socioeconomia do clima' aconteceu no Rio de Janeiro | Foto: Reginaldo Pimenta
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Por Mayara Dias – Rio de Janeiro

O Seminário "A Socioeconomia do Clima", realizado no Rio de Janeiro nos dias 25 e 26 de maio reuniu especialistas nacionais e internacionais para debater os caminhos e desafios da transição climática no Brasil e no mundo. Promovido pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), o evento ocorreu como uma preparação para a COP30, que será sediada em Belém, no Pará, em 2025.

Com a meta global de mobilizar US$ 1,3 trilhão até 2035 para o financiamento climático, o debate girou em torno de como garantir que esses recursos sejam eficazes na redução de emissões, na proteção ambiental e, especialmente, na adaptação dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas.

Dívida por natureza

Josué Tanaka, especialista em finanças climáticas do Imperial College London e consultor do C40, destacou que os mecanismos de “dívida por natureza” estão no centro das discussões. A proposta consiste em reestruturar dívidas de países em desenvolvimento em troca de investimentos na preservação ambiental.

“É um instrumento possível, mas extremamente complexo, que precisa ser negociado caso a caso. Os credores não vão simplesmente perdoar dívidas. Por isso, essa engenharia financeira precisa ser muito bem estruturada”, afirmou Tanaka.

Ele ressaltou que o financiamento climático não pode gerar mais endividamento aos países vulneráveis. Além disso, os países desenvolvidos — responsáveis históricos pelas maiores emissões — precisam assumir sua parte no compromisso financeiro. Já nações em desenvolvimento, que hoje estão entre os maiores emissores, também precisarão ser chamadas à responsabilidade.

Tanaka defende que a COP30 precisa funcionar como um "farol", definindo um caminho claro sobre como cada país pode contribuir financeiramente com a transição climática global.

Josué Tanaka em debate no Seminário a Socioeconomia do clima - Reginaldo Pimenta

O agro entre crise e solução

O diretor do Instituto Equilíbrio e da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Eduardo Bastos, trouxe ao debate a realidade do agro brasileiro, diretamente impactado pela crise climática. “Somos o maior exportador líquido de alimentos do mundo, mas também um dos maiores emissores líquidos de gases de efeito estufa. O agro está no centro da crise climática, da crise alimentar e da crise energética”, afirmou.

Bastos explicou que a agricultura brasileira depende da manutenção das florestas para garantir o regime de chuvas. “Sem floresta, não tem chuva. Sem chuva, não tem safra”, alertou.

Eduardo Bastos fala sobre o agro no Seminário 'A socioeconomia do clima'  - Foto: Reginaldo Pimenta

Ele destacou que 50% das emissões do Brasil em 2023 vieram do desmatamento e 28% do setor agropecuário. Apesar disso, reforçou que o agronegócio pode ser parte da solução. O setor chega à COP30 com a proposta de fortalecer o Plano ABC, que tem a meta de capturar 1,1 gigatonelada de carbono — o suficiente para zerar as emissões do setor e até gerar saldo positivo.

“O agro bem feito é solução. O mal feito é parte do problema. Precisamos levar assistência técnica para os pequenos e médios produtores, que representam a maior parte dos produtores e não estão ligados aos problemas de desmatamento ilegal”, destacou.

Adaptação: o Brasil ainda financia o atraso

A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, fez duras críticas à falta de prioridade na adaptação às mudanças climáticas no Brasil. Segundo ela, o país perdeu R$ 432 bilhões em uma década devido a desastres climáticos, como secas, enchentes e ciclones. “O desastre no Rio Grande do Sul em 2024 custou quase o valor de todo o ajuste fiscal do país”, lembrou.

Unterstell questionou o atual modelo de investimento. “O Brasil continua investindo em obras para um clima que não existe mais. Estamos financiando o atraso. Não dá mais para fazer obras sem levar em consideração os novos riscos climáticos”, criticou.

Natalie Unterstell em palestra no seminário a socioeconomia do clima - Foto: Reginaldo Pimenta

Apesar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinar R$ 1,7 trilhão até 2027, até agora não há previsão de recursos específicos para obras de adaptação climática. “O nome tem ‘resiliência’, mas não há cenários climáticos sendo considerados”, afirmou.

O Fundo Clima, criado em 2010, conta com orçamento de R$ 82 milhões em 2024 — valor considerado baixo diante dos desafios. Para 2025, o orçamento total sobe para R$ 30 bilhões, dos quais R$ 24,2 bilhões vêm do Fundo Clima. “Há espaço e instrumentos, mas falta prioridade”, concluiu.

Caminhos para a COP30

O consenso entre os especialistas é que o Brasil precisa acelerar investimentos na adaptação climática, reduzir emissões, proteger seus biomas e, ao mesmo tempo, garantir financiamento justo, sem onerar ainda mais os países em desenvolvimento.

A COP30 será decisiva para transformar esses debates em compromissos concretos. As soluções passam por fortalecer o financiamento climático, melhorar a governança ambiental, incluir adaptação nas políticas públicas e transformar setores-chave, como o agronegócio, em aliados da transição para uma economia de baixo carbono.

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