A maioria das 2,8 milhões de empresas em atividade no Brasil teve dificuldades para realizar pagamentos de rotina na segunda quinzena de junho, em meio à pandemia da Covid-19. E quase metade delas teve que postergar o pagamento de impostos como medida para ajudar nas contas, segundo pesquisa divulgada nesta quinta-feira (19) pelo IBGE. Informações da Folha de SP.
O cenário se encaminha para o aumento da inadimplência no país, já que a demanda continua baixa e os custos, altos para as empresas, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Os dados da pesquisa do IBGE são de junho, mas o cenário atual do mês de julho é ainda pior e tende a perdurar por mais alguns meses. Não há como prever uma retomada enquanto a Covid-19 deixar rastros de contaminados e mortos, impondo o distanciamento social nas cidades brasileiras.
“Os custos continuam caindo na conta. E em função da falta de movimento é claro que as empresas não conseguiram adequar o fluxo de caixa”, disse o professor Otto Nogami, economista do Insper.
Ele avalia que a tendência é que o quadro se agrave, já que a retomada não está acontecendo na velocidade esperada pelos empresários.
“Tem muita empresa postergando abertura, pois percebeu que ficaria mais caro abrir do que se manter fechado”, definiu. Sem demanda, vão se acumulando impostos e contas atrasadas, o que vai aumentando a dívida e dificuldando a equalização do fluxo de caixa.
De acordo com o IBGE, para 52,9% das empresas em funcionamento no país foi difícil manter a capacidade em realizar pagamentos de rotina no período estudado. Entre as pequenas companhias, com até 59 funcionários, essa proporção foi maior (53,2%) do que nas médias (42,1%), com até 499 empregados, e grandes (29,5%), com 500 ou mais pessoas.
O empresário Vagner Bezerra Duarte, dono do bar Santo Remédio, no bairro Grajaú, Rio de Janeiro, foi um dos que sentiram dificuldade em arcar com todos pagamentos durante a pandemia. Ele explicou que a prioridade era garantir o pagamento dos salários da equipe durante a crise e recorreu ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).
O programa foi criado com o objetivo de destravar o crédito para pequenos empresários, mas a demora na liberação contribuiu para que o estabelecimento passasse aperto durante a pandemia. “Se eles tivessem ajudado no início de abril, como esperado, teríamos superado a crise com menos dificuldade”, disse.
Sem faturamento por mais de 100 dias, a empresa precisou buscar cooperação de fornecedores de longa data. “Alguns foram mais flexíveis e realistas e aguardaram nosso empréstimo do governo federal. Só assim conseguimos respirar e sanar todas as contas”, disse o empresário. Mesmo diante das dificuldades, Vagner conseguiu arcar com as remunerações de seus funcionários.
A realidade de Duarte é a mesma que a maioria dos empresários do setor de serviços prestados às famílias, o mais atingido pela dificuldade de arcar com os pagamentos, com 79,9% dos negócios impactados. O segmento inclui bares, restaurantes e hotéis, além de turismo e viagens, em um conjunto de atividades que acabaram suspensas ou realizadas de forma parcial ao longo da pandemia.
IMPOSTOS
O IBGE aponta ainda que, do total de empresas em atividade no país, 43,9% precisaram adiar o pagamento de impostos. Flávio Magheli, coordenador da pesquisa do IBGE, explicou que isso ocorreu ou por apoio do governo por medidas provisórias ou porque as companhias tiveram problema de caixa e não conseguiram arcar com os tributos.
Novamente, o impacto foi mais percebido no setor de serviços prestados às famílias, com 74,6% das companhias apelando ao adiamento de tributos, sendo que 87,7% contaram com algum apoio do governo. Entre as empresas que conseguiram uma linha de crédito emergencial para pagamento da folha salarial, 76,4% contaram com a ajuda do governo.
Rodolpho Tobler, economista do FGV-Ibre, apontou que as companhias de menor porte vêm enfrentando dificuldades maiores para continuarem ativas, mesmo após a flexibilização do distanciamento social.
“A demanda continua baixa e os custos, altos. É um risco que nos próximos meses possa ter mais inadimplência”, apontou o economista. “As empresas estão muito apertadas e as pequenas estão com mais dificuldades para sair do fundo do poço”.
Tobler analisou que é preciso postergar impostos e adotar outros métodos para proteger as empresas menores, mas ainda vai haver um número elevado de calotes. “As coisas ainda estão andando devagar”, disse.
BANCOS
A alta na inadimplência das empresas já reflete nos bancos. Nesta quinta, o Bradesco divulgou que seu lucro líquido caiu 40,1% no segundo trimestre de 2020 ante igual período de 2019. O tombo foi causado por mais um forte aumento das reservas para cobrir calotes, consequência dos danos econômicos do coronavírus.
O Bradesco –que já havia separado um volume 86% maior de recursos em março para tentar conter os impactos da pandemia– dobrou as provisões feitas entre abril e junho em relação ao mesmo trimestre de 2019. A alta foi de 154,9%, para R$ R$ 8,9 bilhões. Desse total, foram R$ 3,8 bilhões relacionados ao ramo financeiro e R$ 747 milhões ao ramo de seguros.
Segundo Octavio de Lazari, presidente do banco, a provisão adicional foi feita conservadoramente com base na incerteza sobre a extensão e a dimensão total da crise da pandemia.
“As provisões acontecem sempre em função da expectativa de perdas futuras da carteira de crédito e são embasadas em informações históricas e prospectivas”, disse em entrevista nesta quinta (30). “O cenário econômico ainda é difícil, mas dá para dizer que aparentemente o pior momento já passou”, afirmou.
VEÍCULOS
De acordo com o IBGE, o ramo mais afetado no comércio foi de veículos, peças e automocicletas, que sentiu dificuldade em arcar com os pagamentos de rotina em 61,3% das companhias. O resultado é reflexo do fechamento de fábricas e lojas e a diminuição do poder de compra do brasileiro em meio aos temores do avanço da pandemia no país e seus impactos econômicos.
Para a professora do Ibmec Vivian Almeida, a evolução do vírus e o número de contaminados e mortes permanecendo altos estão influenciando na demora para a recuperação acontecer. Outros fatores são uma parcela considerável da população que perdeu o emprego ou que, mesmo ocupada, evita gastar por medo de demissão.
“Esses são riscos que os consumidores percebem. E esses indicadores, olhando pela demanda, vão freando decisões de consumo e retardando a retomada”, disse a professora. Ela explicou que, diante desse quadro, as empresas retardam pagamentos de impostos.
Segundo a última Pnad Contínua do IBGE, 7,8 milhões de postos de trabalho foram perdidos no país no trimestre encerrado em maio —a pesquisa de junho precisou ser adiada por dificuldades em colher informações por telefone em meio à pandemia.
Já dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de junho apontam que 1,5 milhão de pessoas perderam emprego com carteira assinada na pandemia.
De acordo com a pesquisa divulgada nesta quinta pelo IBGE, 14,8% do total, ou aproximadamente 410 mil empresas, precisaram fazer redução no quadro de funcionários. Cerca de 27% das companhias de serviços prestados às famílias sentiram o golpe.
Os dados fazem parte da segunda edição da pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas empresas, lançada pelo instituto no início de julho. As divulgações acontecem de forma quinzenal.
Vivian Almeida analisa que não é possível fazer uma previsão de retomada diante do atual cenário da Covid-19. “É um horizonte ainda nebuloso por essa oscilação natural da pandemia, que a cada passo monitoramos o número de casos, mortos e impacto na vida das pessoas”.
CONTA DE LUZ
No setor elétrico, os indicadores de inadimplência quase quadruplicaram após o início da crise. Segundo o último boletim divulgado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) sobre o tema, o índice de inadimplência de curto prazo entre 18 de março e o fim de junho estava em 8,12%, contra uma média de 2,40% no primeiro semestre de 2019.
Os dados, porém, sinalizavam uma evolução no volume de pagamentos: considerando apenas os 30 dias anteriores a 21 de junho, o índice de inadimplência era de 4,73%. O MME parou de divulgar os dados após essa data, mas a expectativa do mercado era de nova piora depois do fim do subsídio federal aos consumidores de baixa renda, que expirou no início de julho.
Apesar da elevação na inadimplência, as distribuidoras de energia estão, desde o fim de março, proibidas de interromper o fornecimento por determinação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Essa medida vale até esta sexta (31), quando as contas de luz dos consumidores poderão voltar a ser desligadas em caso de inadimplência.
A medida não valerá apejnas para os consumidores de baixa renda, cujo corte continuará proibido até dezembro.