Daniella Aiello tem 35 anos e trabalha como professora para crianças da quarta série, além de complementar a renda com a venda de artigos de prata. Vaidosa, vai à manicure às sextas-feiras e não abre mão de fazer escova nos cabelos em eventos especiais. Há aproximadamente 10 meses, Daniella trocou o salão de beleza que costumava frequentar, no Largo Treze, bairro de classe média da zona sul paulistana, por outro recém-aberto na região, chamado Basic Beauty - a marca econômica lançada no fim do ano passado pela rede de salões Jacques Janine, que atende as classes AB.
?A qualidade do serviço é muito superior à de outros salões do bairro. É um Jacques Janine a um preço acessível?, diz. Daniela faz parte de um grupo de brasileiros que experimentam uma nova fase de consumo ? mais direcionada a serviços do que à compra de produtos. Isso significa que os 40 milhões de novos consumidores que surgiram nos últimos anos já não se restringem apenas a comprar a TV mais moderna. Eles querem adquirir serviços de qualidade. E as empresas já estão de olho nesse filão.
De acordo com um estudo recente do instituto Data Popular, os gastos da classe média ? que representa 54% da população brasileira ? com serviços superaram os desembolsos com produtos pela primeira vez em 2011. A cada 100 reais gastos por esse público, 65,20 reais são direcionados à contratação de serviços. Nos últimos anos, essa proporção era mais equilibrada ? 49,5% contra 50,5% gasto em produtos.
As empresas que perceberam essa mudança começaram a apostar na democratização de seus serviços por meio da criação de bandeiras mais econômicas. No caso do Jacques Janine, o salão se deu conta de que deixava de atender a um imenso público que, como Daniella, ia ao cabeleireiro em busca de opções básicas, como manicure e corte de cabelo, e a melhor relação custo-benefício. Após desenhar o projeto por três anos, a rede chegou ao modelo ideal: um salão pequeno, com padrão arquitetônico menos refinado, sem opções de estética e bem-estar, quadro de funcionários mais enxuto e, a partir de novembro, uma linha de produtos próprios, para reduzir os custos com fornecedores. O objetivo da empresa é que o novo cliente pague o mesmo preço de um salão de bairro, mas tenha uma marca respeitada por trás.
?A marca, nesse caso, não é um símbolo de status, e sim uma garantia de qualidade. Esse consumidor é muito criterioso porque não pode correr o risco de jogar dinheiro fora?, explica o consultor Renato Meirelles, do Data Popular.
Termômetros da mudança - De olho nessa tendência, o setor de seguros se movimenta há quase uma década para tentar regulamentar a modalidade de microsseguros, possibilitando a criação de apólices mais baratas, que visam a cobertura de riscos específicos. A intenção é incluir as classes C e D nesse mercado. Nesta semana, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, apresentou uma minuta de resolução ao Conselho Nacional de Seguros Privados para alterar as regras dos microsseguros. A Azul Seguros, bandeira econômica da Porto Seguro, é um exemplo de que há muita demanda no segmento. Desde que foi criada, em 2003, a marca cresce a uma taxa média anual superior a 30%.
Público amplo - Ainda que algumas prestadoras de serviço tenham feito mudanças de olho no potencial de consumo da classe C, o brasileiro ainda é muito sensível a preço. Assim, consumidores de maior poder aquisitivo acabam também compondo uma parte do público das bandeiras econômicas.
Diante dessa demanda ampla, redes de academias que costumavam atender somente o público de alta renda lançaram unidades mais compactas e baratas. O grupo Bodytech, que oferecia pacotes de aulas em academias a uma mensalidade de 300 reais, lançou a marca Fórmula no Rio de Janeiro, em Copacabana. Como o bairro que comporta classes A, B e C, as mensalidades variam de 89 reais a 180 reais. A empresa pretende abrir mais duas unidades em São Paulo no começo ano que vem e prevê expansão para cidades como Piracicaba, Ribeirão Preto e Bauru, no interior paulista.