Antes o preço era um problema. Ninguém conseguia concorrer com os calçados chineses. Agora a tecnologia brasileira virou o jogo. Além da qualidade, os calçados brasileiros estão cheios de novidades. Tem até manual de instrução, por causa da quantidade de apetrechos que a indústria coloca nos sapatos. Mas a grande sacada dos empresários brasileiros foi buscar consumidores atrás das linhas inimigas. Lá eles encontraram 200 milhões de clientes dispostos a pagar mais pelo conforto.
É com as mãos que a cidade de Franca, no interior de São Paulo, espera conquistar os pés dos chineses. Tecnologia as fábricas têm de sobra: máquinas modernas, laser que grava desenhos no couro e componentes especiais. Uma bota para esportes radicais tem tanta coisa que vem acompanhada até de um manual.
"O produto foi resultado de seis meses de pesquisa e estudo. Constatamos isso pela falta de uma marca específica no mercado chinês. Hoje as grandes marcas estão na Europa e nos Estados Unidos", diz o gerente comercial Alexandre Mena.
A China é o maior fabricante de calçados do mundo: são 11 bilhões de pares por ano. Ainda é uma dura concorrente por causa dos preços de seus produtos, que o governo mantém sempre baixos. Os empresários brasileiros perceberam que não conseguiriam chegar aos mesmos valores e descobriram que na China há 200 milhões de consumidores ricos e dispostos a comprar sapatos mais confortáveis e caros. Decidiram contra-atacar em pleno território inimigo.
"Nós alcançamos uma qualidade que briga diretamente com o calçado italiano hoje", avalia o gerente de exportações Douglas Chicaroni.
Uma fábrica investe na produção artesanal para agradar aos chineses. Designers brasileiros viajaram à China e já sabem o que os novos ricos de lá querem: sapatos iguais aos italianos, com solados com amortecedores e palmilhas com várias camadas.
A tecnologia, claro, torna o sapato mais confortável. Mas antes disso é preciso levar em conta a qualidade do couro. Algumas peças são tão leves e finas que, às vezes, parecem tecidos. Parte do segredo para um couro tão bom assim está bem longe das fábricas: no campo, na criação de um gado especial.
"O couro tem de ser bom e isso vem da fazenda, com gado confinado, sem marca de fogo, sem risco de arame farpado", aponta o diretor do curtume Valtenir Machado.
No curtume começa todo o processo químico que amacia o couro e o deixa com uma aparência bem colorida.
"Nós temos o couro na mão, porque nós somos o maior produtor de couro do mundo. Nós temos na China um mercado de consumidores da população do Brasil. É esse mercado que nós temos de visar, que é o que nós estamos trabalhando nesse sentido", analisa José Carlos Brigagão, presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados em Franca.
Quem já exportou os primeiros pares teve uma surpresa. ?A gente não tem problema com preço com ele. O pagamento dele é diferenciado. Você faz um pedido hoje para eles e acabou de concretizar um pedido, daí dois ou três dias o dinheiro já está à disposição na sua conta para você trabalhar. Chinês não chora por preço", afirma o dono da fábrica José Rosa Jacometti.
Em 2009, o Brasil adotou medidas contra os calçados chineses, que foram sobretaxados, mas os chineses encontraram uma maneira de mandar os calçados para cá por outros países. Só para se ter uma idéia, as importações de sapatos da Malásia aumentaram 1.400% no ano passado. Ou seja, os empresários de Franca têm mais é que investir muito em produtos inovadores.