Um levantamento do Ministério da Agricultura detectou que agricultores estão utilizando agrotóxicos irregulares em pelo menos 61 hortaliças e frutas produzidas no Brasil. Os agrotóxicos registrados para o tomate, por exemplo, estão sendo utilizados para combater ervas daninhas e pragas da berinjela. A maior parte destes alimentos faz parte da dieta alimentar diária dos brasileiros.
O levantamento faz parte de uma instrução normativa conjunta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ibama e do Ministério da Agricultura que vai tentar regulamentar o mercado de agrotóxicos para essas culturas conhecidas como ?minor crops?. Esse grupo de alimentos tem pouca ou nenhuma proteção fitossanitária contra pragas registradas junto aos órgãos de controle.
Entre os produtos consumidos diariamente, cujo combate às pragas é feito com agrotóxicos irregulares, estão o abacaxi, o maracujá, a melancia, a batata doce, o agrião, o almeirão, a couve-flor, a rúcula e a mandioca (veja lista completa abaixo).
O controle de pragas é feito com herbicidas, fungicidas e outros medicamentos utilizados em plantas. Segundo o professor e doutor do curso de agronomia da Universidade de Brasília, José Ricardo Peixoto, é comum a aplicação de agrotóxicos registrados para um alimento em outro que não o especificado nos rótulos das embalagens. ?Isso é uma prática antiga, usar o agrotóxico não registrado?, afirma.
Para ser aplicado, o agrotóxico precisa ser registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pelo Ibama e pelo Ministério da Agricultura.
Ilegalidade
Apesar de ser uma prática comum no campo, o hábito dos produtores é considerado uma ilegalidade pelo ministério. A coordenadora substituta da coordenação geral de Agrotóxicos e Afins da pasta, Débora Rodrigues Cruz, revela ainda outro problema. Para comprar agrotóxicos, os produtores precisam da prescrição dos agrônomos, que têm alterado as receitas para atender ao pedido do agricultor.
Como não há agrotóxicos registrados para várias culturas, os agrônomos receitam, a pedido dos agricultores, agrotóxicos registrados de uma cultura para que eles possam usar nas lavouras de outra hortaliça ou fruta. ?Isso representa uma ilegalidade que vamos tentar corrigir?, diz.
Segundo ela, o agricultor usa o produto não registrado porque sabe que ele é eficaz para combater as pragas ou ervas daninhas de sua lavoura sem prejudicar a fruta ou a hortaliça, mas está cometendo uma irregularidade.
Não é possível, ainda, medir os riscos para a saúde humana por conta dessa prática no campo. Mas o professor Peixoto minimiza a possibilidade de contaminação. ?Os riscos [de contaminação humana] são muito pequenos. Há riscos, claro, mas são pequenos e o efeito só ocorreria por um consumo excessivo do produto?, afirma.
Questão econômica
Segundo Débora Cruz, nas últimas décadas, as empresas deixaram de fazer pesquisas e registrar agrotóxicos para as ?minor crops?, culturas de baixa proteção fitossanitária e que não trazem grande rentabilidade para a indústria de herbicidas, fungicidas e outros medicamentos de combate às pragas na lavoura. Com isso, os agricultores foram dando ?um jeitinho? para continuar a produzir essas frutas e hortaliças.
?O custo do registro é alto e não compensa para as empresas. A maioria dessas culturas já teve agrotóxicos específicos registrados, mas ao longo do tempo as empresas foram abrindo mão de renovar os registros com as novas exigências que surgiram. Aí os agricultores ficaram numa situação difícil, porque sabem que existe um produto que funciona, mas que não está registrado para sua cultura?, afirma.
Hoje, a única forma de produzir esses alimentos sem risco de resíduos agrotóxicos que tragam prejuízo à saúde humana é organicamente. Isso provocaria uma perda de produtividade em algumas culturas.
Solução
A solução do problema está sendo discutida pelo Ministério da Agricultura, pela Anvisa e pelo Ibama há pelo menos quatro anos: uma instrução normativa conjunta para regulamentar o registro de agrotóxicos para as culturas com ?suporte fitossanitário insuficiente.?
?Estamos desde 2004 discutindo uma proposta de instrução normativa para regularizar essa situação e finalmente concluímos o debate técnico em novembro. Agora, o departamento jurídico do ministério está analisando. Ainda falta a análise das áreas jurídicas da Anvisa e do Ibama. Eu espero que até o primeiro semestre deste ano possamos publicar a instrução normativa?, diz Débora.
O texto da instrução normativa lista todas as culturas com número reduzido ou sem agrotóxicos e afins e trata ainda da agilização do registro desses produtos específicos. Ela regulamenta os limites máximos de resíduos agrotóxicos nessas culturas.
?Nós vamos adotar um modelo semelhante ao usado nos Estados Unidos, no Japão e aprovado pela FAO [organismo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação]?, afirma Débora.