Mensagens trocadas por ex-executivos da multinacional alemã Siemens, e às quais tivemos acesso, sugerem que empresas souberam com antecedência de planos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em quatro concorrências. Os documentos fazem parte da denúncia enviada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao Ministério Público de São Paulo, sobre a suposta formação de cartel em concorrências do Metrô e da CPTM entre 1998 e 2007, durante governos do PSDB.
O processo de licitações citado nas mensagens começou em 2004, no segundo mandato do atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. De acordo com reportagem do Jornal Nacional, os e-mails sugerem que as empresas discutiram a partilha do Programa Boa Viagem para recuperação, reforma e modernização dos trens.
Em 24 de novembro de 2004, dois dias antes da divulgação da licitação, o funcionário da Siemens Marco Missawa afirmou: "as diferentes reformas devem ser dadas a vários fornecedores. A CPTM tem por objetivo principal dar o pacote completo para quatro fornecedores grandes (Alstom, Siemens, Bombardier e TTrans). No momento, são realizadas reuniões com as quatro firmas acima mencionadas para assegurar as condições mais importantes para que a concorrência ocorra sem problemas". Em outro trecho da mensagem, o executivo sugere que as empresas negociam prazos com a Companhia. "Paralelamente, continuamos o desenvolvimento dos prazos da licitação com as três firmas e a CPTM".
Seis dias depois do primeiro e-mail, em 30 de novembro, Peter Golitz, também executivo da Siemens, comentou em outra mensagem eletrônica o anúncio no Diário Oficial de que mais dados sobre a concorrência estariam disponíveis a partir de 3 de dezembro. "Isso já nos havia sido informado com antecedência pelos nossos conhecidos na CPTM (em nossas visitas a Presidente Altino e em nosso churrasco de confraternização)", dizia a mensagem. Presidente Altino é onde funciona uma das oficinas da companhia de trens.
Golitz se mostrou preocupado com o pouco tempo que tinha para preparar a documentação da concorrência. "Lembrando que teremos todos os documentos para providenciar durante o período de festas, o que nos deixa poucos dias úteis para isso.?
Material encontrado no computador do executivo da Siemens mostra que entre as tarefas a serem feitas, em conjunto com consultores, estava pedir o adiamento de duas a quatro semanas para a entrega da proposta à CPTM. No dia 3 de dezembro, a Companhia publicou no Diário Oficial o aviso de que a licitação seria adiada por uma semana. O edital também foi atrasado. Segundo relatório do Cade, ao final do processo da licitação do Projeto Boa Viagem, as empresas que aparecem nas mensagens dos executivos foram contempladas.
Golitz é um dos executivos que assinaram o acordo de leniência com o Cade, ou seja, em troca de não serem processados criminalmente, eles aceitaram colaborar com as investigações.
Outro lado
A CPTM afirmou que "não houve qualquer orientação para que empregados ou diretores participassem ou promovessem reuniões ou conversas para tratar de assuntos relacionados a editais de licitação?. Segundo a companhia, todas as informações foram passadas em audiências publicas e por meio da publicação de editais. Sobre as mensagens que sugerem que houve adiamento da licitação para beneficiar o suposto cartel, a Companhia disse que a única alteração de data foi por conta do processo licitatório e de procedimentos legais.
A Siemens, a Alstom e a Bombardier reafirmam que cooperam integramente com as autoridades, mas como a investigação ainda está em andamento, não podem se manifestar publicamente sobre as denúncias. A TTrans não foi encontrada para comentar o assunto.
O PSDB tem reafirmado nos últimos dias que não compactua com a corrupção e não tolera desmandos dessa natureza.
Entenda o caso
O Cade investiga a suposta formação de cartel para licitações do Metrô de São Paulo e do Distrito Federal na esfera de ilícitos econômicos. Segundo reportagem do jornal "Folha de S. Paulo", a Siemens entregou documentos nos quais afirma que o governo de São Paulo sabia e deu aval à formação de um cartel que envolveria 18 empresas.
Nesta semana, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou um inquérito para investigar, na esfera criminal, possíveis envolvidos no suposto cartel. Os executivos das empresas envolvidas poderão ser responsabilizados por formação de cartel e fraude a licitações. Já os agentes públicos só poderão ser denunciados por fraudes a licitações, já que o cartel envolve apenas empresas.
Além da esfera criminal e econômica, o MP já havia anunciado apurações na esfera cível. Desde 2008, a Promotoria de Justiça da Cidadania da capital investiga em 45 inquéritos sobre possíveis irregularidades em licitações do Metrô e CPTM.
Os executivos da Siemens não poderão ser denunciados desde que colaborem com as autoridades, informou o MP-SP. Já os possíveis agentes públicos envolvidos poderão ser acusados por "qualquer facilitação na elaboração de editais, no direcionamento, no cancelamento de habilitações".
Para acompanhar as investigações, o governador Geraldo Alckmin criou uma comissão externa chamada Movimento TranSParência. Segundo o governo, a comissão terá independência e acesso a contratos e documentos para identificar e apontar possíveis problemas.