O vendedor Paulo Rodrigues Araújo, de 35 anos, natural de Teresina, no Piauí, finalmente descobriu que sofria de hanseníase, conhecido antigamente como lepra, após três anos sem diagnóstico correto,. Sob ameaça de ter uma falange do dedo cortada e sem conseguir fazer tarefas cotidianas, ele conta como enfrenta as sequelas da doença, que tem cura e tratamento gratuito pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Neste domingo (26), é comemorado o Dia Mundial contra a Hanseníase e no dia 31 de janeiro é o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase. O piauiense, relatou tudo ao Blog Viva Bem, do site Uol, desde os primeiros sintomas, preconceitos dúvidas e tratamento da doença. Veja a seguir.
Manchas pelo corpo e enfim, o diagnóstico
Em 2015, surgiram manchas brancas e grandes nas minhas costas. Na época, eu morava em Fortaleza, estava empregado e fui ao médico. O diagnóstico? Pano branco, nome popular de micose de praia. Como não houve resultado no tratamento, o segundo diagnóstico foi de alergia, que foi tratada com loções ao longo de um ano. Novamente sem cura, deixei para lá. Afinal, as manchas só me incomodavam esteticamente, quando eu ia raramente à praia.
Três anos depois, levei um susto: a ponta do meu dedo começou a ficar roxa e surgiram manchas vermelhas por todo o meu corpo. Na época, eu havia sido demitido e estava trabalhando numa loja de roupas, por isso estava sem tempo e dinheiro para ir ao médico. Meses depois, desempregado, resolvi passar em um posto do SUS, que confirmou na primeira consulta o diagnóstico de hanseníase. Nunca tinha ouvido falar, conhecia apenas pelo nome antigo, mas o médico me tranquilizou e explicou que havia cura.
Consultas e o tratamento
Logo após a consulta, comecei imediatamente o tratamento medicamentoso, que duraria um ano. Em casa, dei um Google na palavra hanseníase e entrei em choque. Ainda fico emocionado quando me recordo do dia. Li sobre casos bem graves, vi fotos de pessoas deformadas, com as 'mãos de garra' e soube de casos antigos, quando as pessoas eram afastadas do convívio social por conta da doença.
Como a doença demora anos para se manifestar e por conta do diagnóstico tardio, sofro intensamente com as sequelas. A cada dia vou sentindo o peso da doença, que atingiu os nervos das mãos e dos pés. Parece que cada membro pesa 20 quilos.
Não consigo fazer tarefas cotidianas e trabalhar então, nem pensar. Todas essas mudanças me deixaram depressivo. Me isolei, não tinha vontade de sair ou conversar com outras pessoas. Passar pelo tratamento está sendo o mais fácil para mim. O difícil mesmo é cuidar da minha saúde emocional. Na época do diagnóstico, caí em depressão, fiquei muito abalado.
Preconceito
Com tantas dificuldades e sem trabalho, precisei recorrer à ajuda da minha família. Voltei para Teresina (PI), minha cidade natal, e moro com minha mãe e meus irmãos. Assim que cheguei, minha mãe pediu para eu me despir na frente dela, pois ela não acreditava em mim. Depois de dois meses de convivência ruim, as coisas pioraram quando eu não consegui mais ajudar nas tarefas de casa. Me sentia um fardo, mas não havia nada a fazer. Passei a dormir num cômodo separado da casa e comecei a almoçar em horários diferentes.
Também sofri preconceito logo no começo, lá em Fortaleza. Fui almoçar na casa de um amigo e ele separou os meus talheres e o meu prato. Colocou a louça suja dentro da pia, menos as minhas. Foi aí que minha ficha caiu sobre o estigma social da doença. Passei a usar calça e blusa comprida para disfarçar as manchas e decidi não contar para mais ninguém. Eu mesmo não aceitava a situação, eu mal conseguia me olhar no espelho. Não queria ver todas aquelas manchas, eram 28 espalhadas pelo corpo.
Continuação do tratamentos
Hoje faço fisioterapia para melhorar os sintomas nos membros e para evitar a formação de 'garra nas mãos' e tenho melhorado muito. Já o meu dedo roxo está com o osso desgastado, vou precisar passar por uma raspagem. Se tiver necrosado, infelizmente vou ter que amputar uma parte do dedo, estou apenas esperando o exame de ressonância. Talvez necessite também de uma cirurgia para descompressão dos nervos do pulso, caso as dores não cessem.
Em setembro de 2019, terminei o tratamento e deveria ter alta, o que acontece com a maioria dos pacientes. No entanto, tenho ainda bacilos vivos, porque não tenho uma boa imunidade e por ter convivido silenciosamente por mais de dez anos com a doença. Vou continuar com o tratamento e, a cada três meses, refarei os exames até a eliminação total da bactéria.
Sobre o futuro
Hoje eu já consigo enxergar um futuro melhor. Pretendo estudar para ser assistente social e ajudar as pessoas com hanseníase, crianças e idosos. Vou começar a fazer palestras pela Morhan, entidade voltada para a eliminação da hanseníase. E em novembro passado, prestei o Enem como um preparativo. Infelizmente estava com muita dor nos punhos, deixei cair a caneta cinco vezes e não consegui fazer a redação que eu tinha pronta na minha cabeça. Mas neste ano, vou conseguir. Tenho fé que dias melhores virão".