Defesa de PM que matou jovem alega que 98 mil armas passaram por recall

Soldado foi preso, mas defensor pediu para Justiça de São Paulo soltá-lo

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A defesa do policial militar preso por suspeita de matar um adolescente durante abordagem no fim de semana, na Zona Norte de São Paulo, declarou nesta quarta-feira (30) que, além de ter pedido a liberdade de seu cliente à Justiça, irá solicitar uma perícia específica na arma dele para saber se ela apresentava problemas e disparou sozinha. O advogado alega que 98 mil armas da Polícia Militar paulista foram recolhidas entre abril a setembro deste ano para recall porque poderiam disparar acidentalmente.

?Vou pedir que a arma seja periciada nesse sentido: do ponto de vista técnico da fabricação. Como o caso do disparo acidental nessas armas é de conhecimento público, coloquei na minha defesa que, em benefício da dúvida, essa arma também pode ter disparado sozinha?, disse o defensor Fernando Capano. ?Com certeza uma perícia particular será feita nela para responder a essa suspeita.?

De acordo com a defesa, o soldado Luciano Pinheiro Bispo, de 31 anos, alega que o tiro que atingiu o estudante Douglas Rodrigues, de 17 anos, na tarde do último domingo (27), foi acidental: a porta do veículo da Polícia Militar bateu na pistola.40 que ele segurava e, em seguida, ocorreu o disparo.

?Ainda não conversei com meu cliente se ele percebeu alguma falha na arma, mas irei tratar do assunto com ele?, disse Capano, que também é advogado da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo, entidade da qual o soldado preso é associado.

A morte de Douglas Rodrigues revoltou os moradores da região do Jaçanã e gerou uma série de protestos. Ônibus foram queimados, veículos roubados, lojas acabaram saqueadas e rodovias importantes, como a Fernão Dias, foram bloqueadas. Os atos violentos levaram o governo paulista e o federal a planejarem uma ação conjunta para coibir o vandalismo.

Bispo foi detido em flagrante, indiciado pela Polícia Civil por homicídio culposo (sem intenção de matar) e está preso cautelarmente no Presídio da PM Romão Gomes. Até a publicação desta matéria, a Justiça ainda não havia analisado o pedido de liberdade provisória feito pelo advogado para o soldado. ?A alegação para que ele fique livre é de que não teve intenção de atirar ou matar alguém. Foi uma fatalidade e ele lamenta o que ocorreu?, disse Capano.

Segundo Capano, o recall nas pistolas .40 usadas pela PM foi solicitado pela própria corporação. Documento da Polícia Militar pedia um ?plano de revisão do armamento institucional de calibre .40 pistola Taurus ? série 640 a 24/7? usada para ?correção, concerto e prevenção?. Os policiais militares admitiam ocorrências de ?disparos acidentais (...) envolvendo as armas?. Naquela ocasião, se requereu estudo ?criterioso? sobre os casos. O prazo de entrega das armas iria até 27 de setembro.

Apesar de a arma de Bispo não ser desse mesmo lote que passou pela revisão da Taurus, seu advogado sustenta que, diante de tantas queixas é possível que a pistola de seu cliente também falhou. ?A principal falha nessas armas, segundo armeiros que consultei, é o disparo acidental?, disse Capano. ?Como membro de uma comissão da OAB voltada a questão policial, posso afirmar que já tivemos conhecimento recente de cinco casos de PMs que relataram armas defeituosas?.

De acordo com Capano, a arma já causou mortes acidentais e levou profissionais injustamente para a cadeia. O problema estaria na trava da pistola que libera a munição. Relatou ainda que quando dispara, ocorre um tranco na arma que não deveria acontecer, além de ficar um espaço que teria de retornar para a próxima munição. Disse que a arma deveria ter passado por testes rigorosos antes de chegar às mãos dos policiais, mas isso não foi feito.

?Se tivesse sido feito, a arma seria reprovada. Imagina o perigo que a população de SP está correndo com armas assim nas mãos dos policiais?, afirmou o advogado do soldado preso.

Procurada para comentar a respeito do recall nas pistolas, a fabricante das armas respondeu por meio de nota que ?infelizmente, a Forjas Taurus não está se pronunciando sobre o assunto. Só quem está autorizado a falar sobre é o cliente.?

Questionada, a assessoria de imprensa da PM não respondeu até a publicação desta matéria. Em entrevista nesta semana ao Bom Dia SP, o porta-voz da Polícia Militar, Major Mauro Lopes, declarou que, na abordagem correta da polícia, a arma deve estar sempre apontada para baixo.

A assessoria da Secretaria da Segurança Pública também não havia dado retorno. Em setembro deste ano, o secretário Fernando Grella comentou a revisão das pistolas com alguns órgãos de imprensa. ?Várias armas já foram encaminhadas para o fabricante para serem reanalisadas. E esse problema está sendo corrigido?, disse a jornalistas durante um evento.

Vídeos amadores postados na internet mostram que a .40 pode disparar mesmo quando o dedo está fora do gatilho. Para isso, basta que ela sofra um chacoalhão. Nem a trava de segurança acionada impede seu acionamento.

?VAMOS TER CAUTELA NO USO DA PISTOLA 24/7 , ELA POSSUI DEFEITOS DE PROJETO, FIZ ESTE VIDEO POIS TENHO CENTENAS DE AMIGOS IRMÃOS PMS , FIZ EM RESPEITO AO IRMÃO DE FARDA SEJA OFICIAL OU PRAÇA . NÃO SOU REPRESENTANTE DE NENHUMA INDUSTRIA BÉLICA OU FUI PAGO PARA FAZER ISTO, FIZ POR MINHA INICIATIVA E PELO MEU IDEAL A LEGIÃO DE IDEALISTAS?, informa o texto do vídeo "24/7 DEFEITOS ALERTA POLICIAIS MILITARES", publicado em 4 de junho deste ano no YouTube. A equipe de reportagem não conseguiu localizar o responsável pela filmagem para comentar o assunto.

O caso

De acordo com o registro policial, Bispo e outro PM foram acionados pelo comando de operações da corporação para atender a um chamado de som alto na região por volta das 14h de domingo. No caminho, alegam que viram Rodrigues e o irmão dele, de 13 anos, fugirem. Como a região é ponto de tráfico de drogas, suspeitaram dos dois e pediram para eles pararem. Em seguida, ao saírem da viatura, ocorreu o disparo da arma do soldado, que atingiu a vítima no peito. Os próprios policiais socorreram o adolescente, que morreu num hospital da região do Jaçanã.

Amigos de Rodrigues disseram que o carro onde estava o policial militar deu um ?cavalo de pau? e depois o soldado fez mira antes de atirar. Bispo estava no banco do carona.

O pai do adolescente morto, o motorista José Rodrigues, de 44 anos, afirmou que pretende processar o estado e buscar uma indenização pelo ocorrido. O motorista também afirmou que o policial que atirou era conhecido por outros jovens da vizinhança por conta do comportamento agressivo em outras rondas da PM. "Os meninos disseram que ele era meio bravo. O jeito dele trabalhar não era como o dos outros. O pessoal disse que ele era meio esquentado", contou.

A mãe do adolescente disse, no início da manhã de segunda, que o filho não entendeu por que foi alvo do disparo do policial militar. ?Por que o senhor atirou em mim??, perguntou o adolescente ao policial, segundo a mãe. Segundo a família, o estudante trabalhava em uma lanchonete. ?Ele não tinha preguiça de trabalhar. Ele estudava. Estava no 3º ano?, contou.

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