O caso do vídeo em que uma menina de 11 anos aparece fazendo sexo oral em dois garotos, de 13 e 15 anos, em uma escola pública da zona Sudeste de Teresina, deixou não só toda uma cidade estarrecida, mas também suas autoridades atônitas.
Afinal, casos de abusos sexuais praticados por pessoas adultas contra crianças e adolescentes são frequentemente temas de notícias e motivo de denúncias aos órgãos competentes. Mas como lidar adequadamente com um episódio em que os agressores são adolescentes?
O que mais preocupa é que casos análogos a esse estão se multiplicando. Os teresinenses ainda nem haviam digerido inteiramente a notícia do caso do suposto aliciamento na escola local quando, na quinta feira (29), surgiu mais um fato do gênero na internet: inconformado com uma suposta traição por parte da namorada K. V. de 16 anos, um jovem resolveu criar um perfil falso da vítima em uma rede social, com o intuito de divulgar fotos da garota nua.
Um vídeo também foi postado. Em instantes, as imagens correram o mundo e o nome da menor figurou entre os assuntos mais comentados do planeta no Twitter. Com alguma busca, o material podia ser facilmente encontrado em sites adultos da internet, acompanhado de inúmeros comentários maldosos sobre a menina.
Conselho precisa ser acionado preventivamente
Acontecimentos como o da garota teresinense, que ocorrem dentro da escola, são de responsabilidade do estabelecimento de ensino ? que é responsável pela segurança e pela integridade dos alunos enquanto estes encontram-se nas dependências da própria escola.
Ou seja ? cabe à diretoria sanar eventuais problemas. Mas isso não significa que a situação não deva ser comunicada imediatamente ao conselho tutelar com atuação na área.
Responsáveis por investigar casos de violência e abuso contra crianças e adolescentes (e encaminhar cada caso para as delegacias convenientes), os Conselhos Tutelares devem atuar em conjunto com as escolas, como determina o artigo nº 56 do ECA, que diz que ?os dirigentes de estabelecimentos de Ensino Fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos, reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares e elevados níveis de repetência.
No entanto, o que se percebe é que o diálogo entre escola e conselhos na realidade local, deveria ser maior, visando justamente ajudar a evitar casos como o da menina aliciada.
Para o secretário executivo do 1º Conselho Tutelar de Teresina, Washington Ferreira, é necessário reforçar o trabalho preventivo. ?Normalmente, os diretores de escolas só nos procuram em situações mais extremas, quase nunca preventivamente?, diz ele.
Fato afeta a vítima pelo resto da vida
A psicóloga Vanessa Pires alerta: casos como esse podem chocar e afetar a vítima por longos anos. Ela alerta que a pessoa que passa por uma experiência como essa pode nunca recuperar-se totalmente, mesmo com tratamento psicológico.
?Não podemos prever como ela vai reagir daqui para a frente, mas situações como essa são muito complicadas. A vítima é uma criança, ou seja, não possui o cérebro totalmente desenvolvido para tentar lidar com isso de uma forma menos dolorosa?.
Há o risco inclusive de traumas ligados à própria sexualidade. ?Já vi muitos casos em que a vítima fica tão traumatizada que, caso a pessoa que a abusou seja do sexo oposto, a pessoa que sofreu o abuso acaba tornando-se homossexual, porque não consegue confiar mais em ninguém do outro sexo. É claro que isso não significa dizer que é o que vai acontecer com a menina em questão, mas há pessoas que reagem dessa forma?.
A falta de uma maior capacidade metacognitiva de quem mal saiu da infância, segundo a piscóloga, torna a questão muito mais complexa. Ela argumenta que jovens de 15 anos ? como um dos meninos do vídeo ? não tem a capacidade completa de colocar-se no lugar dos outros, com para perceber com mais clareza o certo e o errado.
?Ou seja, fica difícil chamar esses meninos de ?aliciadores?. Além disso, nossas crianças e jovens estão muito expostos à pornografia na mídia. Uma criança que vê uma cena de sexo com muita frequência achará que aquela situação é perfeitamente aceitável?.
Solução para conflito está no Estatuto da Criança
No caso da garota teresinense, a vítima sofreu bullying na escola e precisou ser afastada pela direção, com o objetivo de resguardar sua segurança. A mãe da adolescente, que reside na Vila Coronel Carlos Falcão, denunciou o abuso sexual feito contra a filha na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA).
Na semana passada, o diretor da escola declarou ao jornalista Efrém Ribeiro que estima que o caso tenha acontecido em 16 de outubro, mas que só veio à tona agora, com a circulação do vídeo no Facebook. A Secretaria Municipal de Educação, por sua vez, afirmou que está averiguando o problema.
O que fazer em casos assim? O que estaria causando esse tipo de comportamento em jovens que ainda nem saíram direito da infância? Como punir a quem pratica abusos como os citados? A resposta para estas perguntas está, basicamente, em três letras: ECA ? sigla para Estatuto da Criança e do Adolescente.
O documento, como é de conhecimento público, determina os direitos e deveres desse público específico, mas também funciona como ?código? que determina as medidas e sanções a serem tomadas neste tipo de problema.
O jornal Meio Norte conversou com o conselheiro João Batista dos Santos, do 1º Conselho Tutelar de Teresina, para repercutir o caso teresinense. Ele opina que falta mais participação das famílias no ambiente escolar ? fator que poderia contribuir para evitar casos como o divulgado na semana passada.
?Muitos pais até veem as notas dos filhos, se estão ruins ou boas, por exemplo. No entanto, não acompanham a vida escolar deles de forma mais direta?, disse ele.
?Muitos argumentam que o ECA os impede de repreender os próprios filhos, mas isso não é verdade. Essa desculpa costuma ser muito usada pelos pais quando estes querem afastar de si a responsabilidade de orientar os filhos?.
Delito é o mesmo do CP mas punição é diferente
Os aspectos jurídicos de casos como o da escola do Parque Itararé têm particularidades que precisam ser devidamente detalhadas. Quem explica é o advogado criminalista Antônio Carlos Martins.
?Quando o infrator é menor, não falamos em prisão, e sim em internação. O crime é basicamente o mesmo que já se encontra tipificado no código penal ? estupro de vulnerável, mas as punições são diferentes.
Ou seja, a base é o código penal. O juiz da vara de infância e juventude apreende o menor infrator por 45 dias e, caso não saia uma decisão, ele acaba sendo liberado.
O infrator do sexo masculino, no entanto, pode ser encaminhado para o Centro Educacional Masculino (CEM), onde ficará por, no máximo, três anos. Lá existem oficinas e atividades voltadas para a recuperação desse menor?.
No Código Penal, o crime de estupro de vulnerável aparece no art. 217-A, e estabelece que a pena para o ato de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos é de oito a quinze anos de reclusão.
Já no ECA, o art. 241-D determina pena de um a três anos e multa para aquele que assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso.
Mas e quanto a um aperto na legislação contra crimes cometidos nessa faixa de idade? ?Até existe um projeto de lei para que os maiores de 16 anos possam responder da mesma forma com que os maiores de 18 já respondem hoje, mas ainda há muita coisa para acontecer antes de esse projeto se tornar realidade. Precisa passar pela Câmara de Deputados, pelo Senado e, finalmente, pela sanção presidencial.
Ou seja: tudo o que acontecer antes desses passos são apenas comentários. Por enquanto, o único meio que temos são as tentativas de ressocialização através de casas como o CEM, que no nosso caso é o único local que oferece a oportunidade de os infratores não ficarem ociosos?.