Por José Osmando
Tenho cada vez mais me convencido da necessidade de que o Brasil faça prosperar e avançar, com clareza e coragem, as suas políticas de compensação, de reparação social, para permitir que pobres e negros, especialmente estes, possam entrar pelas portas da universidade, fortalecendo a esperança de que deste modo seremos capazes de reduzir os inaceitáveis níveis de desigualdade reinantes no país.
Escancara-se, sempre e mais, a necessidade de que se tomem medidas que diminuam os impactos da desigualdade social no país. Os programas de cotas raciais, como forma de promover a igualdade de grupos isolados socialmente ou economicamente e analisar a legitimidade e a justiça desse tipo de ação, não podem sofrer entrave e paralisação, sob pena de aumentarmos ainda mais o fosso social. Além do histórico deplorável da nossa colonização, vê-se que em todas as crises econômicas por que o Brasil tem passado, quem mais sofre e quem mais se aproxima do fosso são os mais pobres, com prevalência sobre os negros.
Apesar disso, as políticas de cotas, que permitiram até hoje o avanço desses mais desvalidos à universidade, sofrem uma descarada e raivosa campanha contrária entre governantes de passagem, um congresso nacional apartado da realidade e uma elite econômica que só olha para seu próprio umbigo, e cujo desejo permanente é ver crescerem suas riquezas materiais. As políticas de cotas sofrem ataques patrocinados justamente por aqueles que têm compromisso na manutenção desse quadro de brutal distanciamento social e econômico. Inventam-se os argumentos mais estapafúrdios para desautorizar e descredibilizar as cotas raciais.
CLASSE ENFERMA DE DESIGUALDADE
O notável antropólogo, historiador e sociólogo Darcy Ribeiro, que considero o mais lúcido e autorizado intérprete do Brasil, afirmava, com conhecimento e coragem, que nosso país, o último a acabar com a escravidão, “tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.”
No seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Darcy expressou o que já minunciosamente descrevera em suas obras memoráveis “O Povo Brasileiro” e “O Processo Civilizatório” - apenas para citar algumas das suas frequentes contribuições à compreensão do Brasil-, que “nosso país tem sido, ao longo dos séculos, um terrível moinho de gastar gentes, ainda que também prodigioso criatório. Nele se gastaram milhões de índios, milhões de africanos e milhões de europeus. Nascemos de seu desfazimento, refazimento e multiplicação pela mestiçagem. Foi desinianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos.”
REVITALIZAR AS COTAS
Assim, para reparar essa herança maldita que criou dois brasis diferentes e desiguais, impondo apenas um segmento étnico na construção do pensamento nacional, é preciso revitalizar o programa de cotas. Criar um ambiente menos desigual no ensino público superior será o grande passo para oferecer igualdade e harmonia à Nação. Num país de gigantescas riquezas e potencialidades, colocar os milhões desiguais em níveis de civilização, contribuição e construção, deverá ser a grande tarefa deste momento histórico.