De acordo com números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pouco mais de uma década, o consumo de álcool pela população feminina aumentou em 30%. De acordo com as estatísticas, uma a cada quatro mulheres faz uso pesado da droga lícita e 2% desenvolve algum grau de dependência.
Biologicamente as mulheres são mais sensíveis ao álcool. Isto porque o sexo feminino possui menor concentração de enzimas que metabolizam o álcool e possuem maior absorção da substância no intestino. Além disso, elas têm maior proporção de gordura corporal e menor quantidade de água no corpo.
Em razão destes fatores, as mulheres sempre vão apresentar uma concentração alcoólica maior mesmo tendo bebido a mesma quantidade de álcool que um homem. Isso pode ser comprovado em testes de alcoolemia, o popular teste do bafômetro.
Fator crônico
A questão fisiológica das mulheres abre um parêntese para um problema que vai além de uma ressaca mais acentuada: o alcoolismo. A doença, que é caracterizada pelo fator crônico e, por muitas vezes, fatal, pode ser mais agressiva para as mulheres que para os homens.
K. L. A., de 54 anos, luta contra o alcoolismo desde os 14 anos.
"Comecei a beber depois da aula com minhas amigas. A gente dividia duas latinhas antes do almoço e íamos felizes bêbadas para casa. Com o tempo, me deu vontade de beber todo dia. Eu bebia os licores da cristaleira da minha avó. Ficaram todas com dois ou três dedos, aí começaram a desconfiar", explica.
O problema com o álcool levou a problemas profissionais. Ela nunca conseguiu concluir o curso de enfermagem, que começou aos 32 anos. "Tive uma vida difícil. Meu tratamento foi tardio porque eu não assumia que era alcoólatra. Hoje me arrependo porque meu físico ficou debilitado em razão de anos bebendo. Estou limpa há 10 anos, mas já tive quatro recaídas", acrescenta.
Risco para o sexo feminino
Além do alcoolismo, uma doença mental que reverbera no físico, o excesso de álcool pode causar várias doenças. Acidente vascular cerebral (AVC), câncer de mama, cirrose, esteatose hepática, hipertensão e osteoporose são algumas das doenças adjacentes.
Gedalias Mota, terapeuta especialista em dependência química, explica que o alcoolismo pode levar o usuário à insanidade, à invalidez ou até mesmo à morte.
Tratamento iniciado
"O alcoolismo gera uma incapacidade de cessar ou de controlar o uso de álcool, apesar de todos os prejuízos percebidos. Ele pode ser leve, moderado ou grave e pode ter componentes físicos, emocionais e até mesmo o componente do hábito, que chamamos de hábito adictivo", explica.
O terapeuta explica que quanto mais cedo o diagnóstico é consolidado e o tratamento é iniciado, melhores são as chances de resultados positivos. "É importante o usuário questionar os prejuízos que o uso de álcool está gerando em sua vida. Reconhecer os prejuízos já é o suficiente para repensar o uso e buscar um processo de mudança", acrescenta.
Vulnerabilidade para elas
Por questões biológicas, as mulheres terminam sendo mais "fracas" para o álcool. "Isso faz com que o alcoolismo em mulheres e suas consequências avancem mais rapidamente. Inclusive, as mulheres podem ser mais suscetíveis do que os homens a apagões relacionados ao álcool", avalia Gedalias Mota.
Dessa forma, embora homens e mulheres possam se tornar dependentes do álcool, as mulheres fazem a transição do uso abusivo para a dependência muito mais rápido. "Elas também têm maiores dificuldades de se manterem abstinentes e possuem um índice maior de recaída do que os homens", aponta.
As mulheres enfrentam inúmeras barreiras quando o assunto é buscar tratamento.
"O estigma social é muito grande e há uma significativa negação dos próprios familiares e do companheiro. Enfrentar esse problema requer um olhar atento dos profissionais que atuam nessa área para entender as particularidades da relação álcool e mulher, mas também um olhar atencioso dos próprios familiares. É preciso entender que o alcoolismo feminino é uma realidade e ela está próxima", avalia o profissional.
Pandemia da Covid-19 agrava problema
Luto, estresse, limitações sociais. Esses são alguns fatores da pandemia da Covid-19 que impulsionam o alcoolismo como um todo na sociedade, seja para homens e mulheres.
O primeiro ponto é entender que não existe consumo de álcool isento de riscos e que o consumo de álcool está diretamente associado a inúmeros problemas e doenças, mesmo em pequenas quantidades.
"Porém, há um nível de consumo que apresenta um risco menor de desenvolvimento de problemas. O National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism definiu este consumo para as mulheres como até uma dose de álcool por dia", analisa Gedalias.
Para ele, o ideal é um cuidado diário para conter os picos de fissura, para diminuir a incidência dos sinais e sintomas de abstinência e principalmente para preencher de forma correta o espaço que foi deixado pelo uso. "Se está com dificuldades de controlar ou cessar o uso, busque ajuda urgentemente. Independentemente da gravidade da dependência, a recuperação é plenamente possível", finaliza.