É uma verdade universal: a droga destrói o futuro de quem cruza seu caminho e funciona como uma porta de entrada para a criminalidade. Utilizando a prevenção para afastar ainda mais pessoas do caminho do vício, a Fazenda da Paz iniciou o projeto Construindo o Saber, que oferece o curso técnico de torneiro mecânico para 30 jovens em situação de vulnerabilidade social.
A iniciativa pioneira está mudando a vida dos contemplados pelo programa.
Célio Luís Barbosa, coordenador geral do projeto, conta que há muito tempo vinha pensando em desenvolver uma atividade preventiva que mobilizasse os jovens em situação de risco que ainda estavam fora das drogas.
?Trabalhamos há mais de 18 anos na recuperação de dependentes químicos e observamos que muitos deles retornam para o vício porque não encontram opções de reinserção no mercado de trabalho, principalmente porque falta qualificação profissional. Nosso objetivo é impedir que crianças com um futuro promissor embarquem nesse caminho sem volta?, conta.
Segundo Célio, a ideia de formar turmas de torneiro mecânico partiu do fato da profissão ser bastante procurada na cidade, pois há uma carência de profissionais especializados. Um profissional da área já começa ganhando R$ 1.800,00 e o salário só tende a aumentar. A iniciativa é totalmente gratuita, não possui fins lucrativos e é desenvolvida em conjunto com o Banco do Nordeste e faz parceria com outras organizações sociais, como MP3 e paróquias de Teresina.
?A escola possui um papel fundamental na formação do jovem, mas é no tempo fora dela que os adolescentes fazem contato com os entorpecentes. Quem escolhe essa opção tem um destino muitas vezes triste. O projeto é importante porque no primeiro momento o jovem preenche o tempo livre com uma atividade construtiva. Ao final do programa, ele está plenamente capacitado para se inserir no mercado de trabalho?, pontua Célio.
Toda a família se beneficia com o projeto. Oficinas socioeducativas são realizadas com frequência buscando fortalecer a unidade familiar. Os pais são convidados a observar o desenvolvimento dos filhos e partilhar suas impressões acerca do avanço da prole. Com a atividade, o vínculo entre pais e filhos sai fortalecido, o adolescente se sente mais motivado e as chances de embarcar na criminalidade diminuem consideravelmente.
O projeto Construindo o Saber é o único do estado a oferecer um curso tão especializado na área. As turmas tem duração de um ano, são abertas para jovens de 14 a 18 anos e funcionam no horário em que os alunos não estão no colégio. Lá eles estudam disciplinas como cálculo, desenho técnico e noções avançadas de matemática. Para participar, é obrigatório que os adolescentes frequentem a escola e tenham boas notas.
Aluno do curso, o jovem Eurivan Silva Miranda é pura felicidade. ?Ao ocupar meu tempo livre com uma atividade construtiva, a possibilidade de entrar em contato com as drogas caiu bastante. Não tenho palavras para agradecer a iniciativa do pessoal ao oferecer um futuro melhor para nós. Com o curso eu terei capacidade para lutar por um futuro brilhante?, vibra. E isso é apenas o começo.
Profissionalização chega aos internos
De olho nas possibilidades conquistadas pelos alunos das aulas de torneiro mecânico, a Fazenda da Paz cogita a possibilidade de estender a oferta de curso para os pacientes que se tratam da dependência química. O coordenador Célio Luís explica que a profissão é extremamente versátil, consistindo na fabricação ou acabamento de peças a partir de uma barra de metal, sendo bastante útil para as áreas de mecânica, construção e indústria.
"Ao longo dos anos temos percebido que um dos motivos pelos quais os viciados voltam ao mundo das drogas deve-se ao fato de não conseguirem se inserir no mercado, pois falta qualificação a eles. É uma triste realidade que pretendemos mudar. De nada adianta oferecer um tratamento caro se o paciente tiver uma nova recaída", aponta.
O projeto ainda está em fase de análise. Célio declara que para que o programa vá para frente, são necessários investimentos de alguns milhares de reais. "Estamos ampliando nossa área de atuação e por enquanto focaremos apenas em prevenir que jovens em situação de risco embarquem no vício. Trabalhamos dia e noite para melhorar as condições de vida da sociedade e ainda temos um longo caminho pela frente", relata.
Sociedade
Apostando na capacidade de pacientes reabilitados, o projeto Construindo o Saber dá uma aula de generosidade e conta com a colaboração de ex-dependentes químicos que se livraram do vício. A intenção é fornecer um serviço que ajude os antigos pacientes a dar a volta por cima, encontrando novas oportunidades profissionais para que não voltem a usar entorpecentes.
O professor de matemática Cristino Mendes usou crack durante seis anos e quase perdeu tudo o que tinha. ?Comecei a usar drogas graças a influência de amigos e cheguei ao fundo do poço. Perdi o emprego, amigos, a dignidade e amor próprio. Por pouco não perdi minha esposa, que ficou sempre ao meu lado. Tentei parar uma vez, mas não consegui. Foi quando decidi procurar ajuda?, relata.
Após um ano e dois meses de tratamento na Fazenda da Paz, Cristino se sentiu pronto para retomar a vida de antes, mas o estigma de viciado o perseguia. Foi quando o Construindo o Saber o convidou para colaborar no curso de torneiro mecânico. Para ele, o esforço vale a pena. ?É gratificante poder ajudar essas crianças. Me vejo em cada uma delas e estou orgulhoso em contribuir para um futuro mais digno a esses jovens dedicados. Graças ao projeto, agora elas têm uma perspectiva de vida?, diz.
Aos 27 anos de idade, Cristino fala que nasceu novamente. Se ele não tivesse recebido ajuda dessas pessoas, tem consciência de que estaria em um lugar pior. O mesmo vale para as crianças atendidas pelo curso, que agora possuem todas as ferramentas para trilhar uma vida cheia de conquistas.
Desenvolvimento dos alunos é acompanhado por profissionais
Além de mudar a vida dos jovens em situação de risco ao oferecer uma nova perspectiva de inserção no mundo profissional, o Construindo o Saber expande-se em um projeto de acompanhamento socioeducativo, acompanhado de perto por técnicos especializados que estão de olho em cada passo de seus pupilos.
Além das aulas normais, oficinas socioeducativas de vários temas, como orientação pessoal, postura profissional e prevenção de DSTs são ministradas como parte do programa. Além de tudo, a família está sempre presente e assiste a evolução de seus filhos, um passo importante para a sociabilização dos jovens.
A assistente social Diana Pacífico constata que a iniciativa está mudando para melhor a vida desses adolescentes.
?Observamos o interesse e motivação dos alunos. Eles perguntam sobre o mercado de trabalho e reconhecem que precisam de profissionalização para ter uma vida digna?, aponta.
Quem aprova é o estudante Estefânio Pereira de Sousa, que escapou de um futuro sombrio graças a iniciativa do programa. ?Antes eu passava o dia inteiro ocioso. Agora tenho uma atividade que ocupa meu tempo e ajuda a melhorar meu desempenho na escola. Além disso, terei uma profissão garantida quando terminar o curso?, comemora.
Fazenda da Paz batalha por mais recursos
O Construindo o Saber é apenas o primeiro projeto preventivo desenvolvido pela instituição que trata de dependente químicos. Segundo o coordenador Célio Barbosa, várias outras iniciativas estão sendo desenvolvidas. Para tanto, são necessários mais investimentos e a Fazenda busca novas parcerias.
?Só pudemos colocar o projeto em prática graças à ajuda que recebemos de alguns parceiros. Os seis tornos mecânicos foram doados para nós e o programa pôde acontecer quando recebemos o incentivo vindo do Banco do Nordeste. Gostaríamos de colocar em prática vários outros projetos, mas sem ajuda financeira fica inviável?, frisa o coordenador.
Embora seja um sucesso, ainda não foi definido se o projeto Construindo o Saber abrirá novas turmas ano que vem.
Célio fala que, independente da vontade da organização, o projeto precisa de subsídios para custear a infraestrutura necessária para os alunos.
?Desejamos muito levar esse e outros projetos adiante. Reiteramos o apelo a empresas que busquem novas parcerias e grandes instituições para que elas nos ajudem a transformar o futuro de jovens carentes?, finaliza.