Apresentar-se para o mundo da forma como internamente se sentia. Esse era o desejo de Laura de Castro Teixeira, 33 anos, delegada da Polícia Civil de Goiás, que atualmente serve à Delegacia da Mulher, em Goiânia.
Em busca desse objetivo, pediu licença de seis meses à corporação e retornou com nova aparência, novo nome e nova identidade. Antes do afastamento era o delegado Thiago. “Sempre tentei me conter em relação a isso.” Essa é a definição de Laura quanto ao período em que sentia o desejo de se portar como mulher, mas não assumia nem para si a sua condição.
Na tentativa de combater seus impulsos, agia de maneira contrária. Fazia tudo para demonstrar ao mundo que era um homem convicto e viril, seguindo à risca o estereótipo da figura masculina. Desde os tempos de criança, sentia que havia algo diferente, mas se policiava até mesmo em relação aos trejeitos, com medo de que as pessoas desconfiassem.
“Eu fazia questão de parecer uma figura máscula. Uma pessoa forte, firme, implacável e que esconde seus sentimentos”, conta.
Hormônios antes da transformação
Na intenção de acabar com os desejos reprimidos, Laura buscou apoio psicológico. “Procurei ajuda para tirar aquilo da cabeça, não foi para assumir.” No entanto, nas sessões foi incentivada a agir da maneira que se sentisse mais à vontade. Nesse período, considera que aprendeu a entender sua situação e parou de pensar que seu desejo era impróprio.
“O psicólogo me ajudou a entender que aquilo não era errado. Errado é deixar de ser feliz por ter medo da reação das pessoas em relação a seu posicionamento.”
Com esse pensamento, Laura começou a construir estruturas que sustentassem sua decisão. Ainda antes de estar totalmente segura de que se submeteria à mudança de sexo, começou a tomar hormônios femininos. Essa seria uma mudança drástica e definitiva em sua vida. A ideia tinha de ser muito bem trabalhada, pois traria consequências para todos, inclusive para ela mesma. Apesar de tudo, o sentimento extrapolava uma mera atração pelo sexo masculino.
“A minha situação não era apenas uma questão de homossexualidade. E sim de assumir o meu gênero.” Logo após tomar a decisão de que realmente se tornaria uma mulher, comunicou o fato ao delegado-geral da Polícia Civil e pediu licença do trabalho. Depois disso, sua grande preocupação era relacionada à base familiar e às consequências de seu ato após a realização da mudança de sexo.
Ao acompanhar o caso da modelo Lea T, 32, veio o desejo de realizar a operação. “O resultado dela foi excelente. Então achei que era viável.” A grande preocupação era obter um resultado aceitável. De acordo com a pesquisa realizada por ela, quanto mais cedo se começa a usar hormônios femininos, maior a eficácia, principalmente em relação à expressão facial.
A idade-limite para se obter o melhor resultado hormonal seria a de 30 anos, uma das razões para, aos 29 anos, Laura começar sua transformação. A primeira intervenção foi a feminilização facial, que reduz o maxilar. O passo seguinte foi retirar o órgão genital masculino e fazer a adaptação para as formas femininas, no fim de 2013. Após a cirurgia, Laura ficou um mês em observação no hospital. Em seguida, se submeteu à última etapa: o implante de próteses de silicone nos seios. Ela vai usar os hormônios femininos pelo resto da vida por questões de saúde. Desde a retirada dos testículos, o corpo dela não produz mais hormônios masculinos. Laura não pensou duas vezes em se desfazer de bens materiais para concretizar seu sonho.”
Abri mão de tudo o que eu tinha, como o carro e meus imóveis. Tenho de começar minha vida do zero.” De volta ao trabalho e à rotina, Laura depara com as mudanças em sua vida ocasionadas pela troca de sexo. O primeiro passo foi a alteração oficial de nome, em processo movido na Justiça. Após a mudança de aparência, durante aproximadamente três meses ainda teve de conviver com o nome masculino da certidão de nascimento. Um dos muitos desafios de sua nova condição.
No trabalho, não houve resistência quanto à mudança. O tratamento feminino se deu naturalmente. Um dos fatores que contribuíram para a adaptação foi a mudança de ambiente, pois passou a atuar na Delegacia da Mulher em Goiânia.
“Fui muito bem acolhida na minha volta. Mesmo que eu ainda tivesse que assinar os documentos com o nome antigo, todos me tratavam como “doutora”. Realmente não tive dificuldade. Essa mudança de ambiente evitou que houvesse um choque. Mesmo assim, alguns colegas de lá me ligam e usam o tratamento feminino. Em relação a vítimas e acusados que procuram a delegacia, o tratamento é normal.” Cantadas e assobios na obra No seio familiar estão as maiores dificuldades enfrentadas na nova vida. As grandes transformações, ainda tão recentes, demandam tempo para adaptação.
A própria Laura ainda não se sente à vontade para tratar alguns temas pessoais, por considerar que são delicados. Ela e os dois filhos adolescentes, um menino e uma menina, são submetidos a sessões psicológicas constantes para assimilar as mudanças. “Vivemos uma situação que chega a ser engraçada. Tenho uma bisavó ainda viva, mas que não enxerga bem. Até hoje ninguém falou para ela sobre a minha mudança e ela me trata como se nada tivesse acontecido. Até imagino que já tenha percebido que há alguma coisa diferente, mas nunca comentou nada.”
Apesar dos obstáculos, Laura curte o momento. A atração masculina é algo que tem agradado muito nesta nova fase. “Você tem de se acostumar. O homem olha para um homem de um jeito e para a mulher de outro. Você anda na rua um motoqueiro passa e fala alguma coisa. Passa na frente da obra e ouve aquelas cantadas engraçadas. Eu me senti realmente como uma mulher. Sentir-se desejada faz parte da vida de uma mulher. Fico realizada.” O sentimento após as etapas enfrentadas por Laura é de alegria. A realização do sonho de mostrar ao mundo sua verdadeira face, a forma como realmente se sentia. “Estou muito satisfeita com o resultado da cirurgia. Eu me sinto feliz.”