O número de contratações com carteira assinada superou o de demissões pelo segundo mês consecutivo em agosto – mas seguiu longe de recuperar as perdas da pandemia do coronavírus: no acumulado do ano, o país ainda registra perda de quase 850 mil vagas. Desse total, a maioria dos empregos perdidos está concentrada no setor de serviços e no comércio, com destaque para as atividades que continuam com restrições. As informações são do G1.
Já a indústria e a construção civil têm liderado o movimento de recuperação dos empregos perdidos nestes primeiros meses de flexibilização e reabertura da economia.
Setores
O Painel de Informações do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia, mostra os setores e atividades que mais perderam postos de trabalho formais no ano, e também o ranking das ocupações com maior número de vagas com carteira assinada criadas em julho e agosto.
Entre as grandes categorias, agropecuária (mais 98.320 vagas) e construção civil (58.464 vagas) foram os únicos setores que no acumulado no ano até agosto ampliaram a mão de obra empregada com carteira assinada.
As atividades mais afetadas pela pandemia e, consequentemente, com maior número de cortes foram as associadas ao comércio, alimentação fora de casa, turismo e transportes.
Cargos
No topo da lista de cargos que mais tiveram postos de trabalho destruídos aparece a categoria "vendedores e demonstradores", com 249.674 empregos com carteira assinada eliminados no ano.
Na sequência, estão os "garçons, barmen, copeiros e sommeliers" (menos 131.693 vagas), os "escriturários em geral e assistentes administrativos" (menos 92.706), "cozinheiros" (menos 62.474) e os "trabalhadores auxiliares nos serviços de alimentação" (menos 45.353).
"As atividades que estão demitindo ainda estão muito ligadas aos serviços, que foram muito impactados pela pandemia. Pensa nos restaurantes e nos pequenos comércios que não têm como voltar totalmente. Tentaram se segurar até onde dava, começam a abrir, mas ainda têm que demitir", avalia o economista Sergio Vale, da MB Associados.
O país encerrou o mês de agosto com 37,9 milhões de postos de trabalho com carteira assinada, contra 39,1 milhões em fevereiro, antes das paralisações e medidas de isolamento para contenção da Covid-19.
Vale destacar, no entanto, que esses números refletem apenas o emprego formal. Dados do IBGE mostram que o impacto da pandemia foi ainda maior no emprego informal, com um fechamento total de 7,2 milhões de postos de trabalho no Brasil em apenas 3 meses.
Demissões por gênero, escolaridade e faixa etária
Os dados do Caged mostram também que as demissões atingiram mais mulheres, trabalhadores que possuem apenas o ensino médio e profissionais na faixa de idade entre 50 e 64 anos.
"Quanto mais tempo fora, mas difícil é para voltar", afirma Vale, citando também a perspectiva de aumento do número de pessoas que passaram a disputar uma vaga de emprego com a redução e encerramento do auxílio emergencial.
O economista prevê que a taxa de desemprego, atualmente no patamar de 13,8%, deverá chegar nos próximos meses na casa de 17%. "O desemprego deve crescer até o começo do ano que vem e aí tende a começar a cair. Eu diria que uma queda mais consistente só deverá ocorrer no segundo semestre do ano que vem", avalia.
Indústria e construção são destaques de recuperação
Embora o saldo de novas vagas no mês de agosto tenha superado as expectativas do mercado, a recuperação do mercado de trabalho formal tem se mostrado bem desigual entre os setores.
Nos últimos meses a criação de empregos formais tem sido puxada pela indústria e pela construção. Do saldo de 390.578 vagas criadas em julho e agosto, mais de 60% foram concentradas nesses setores.
O setor de serviços, que historicamente é responsável por cerca de 45% da geração de empregos formais no país, respondeu por apenas pouco mais de 10% do saldo de julho e agosto. "É uma retomada desigual com os serviços ainda com o freio de mão puxado", resume o economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria.
Apesar de ainda não ter recuperado o nível de atividade e emprego pré-pandemia, o setor industrial engatou o 4º mês seguido de alta na produção e tem liderando o otimismo entre os empresários em relação à evolução dos negócios nos próximos meses.
Já a construção civil tem sido puxada pelo mercado imobiliário, que voltou a reaquecer com a queda da taxa básica de juros, a Selic, para o patamar de 2% ao ano.
Atividades que mais abriram vagas de empregos em julho e agosto
Quando analisados apenas os meses de julho e agosto, quando o país voltou a registrar saldo positivo de vagas, a ocupação com maior criação de empregos formais é de "alimentadores de linhas de produção", com 87.935 novas vagas. A função reúne trabalhadores da produção de bens e serviços industriais, que abastecem linhas de produção, alimentam máquinas e organizam a área de serviço.
Na sequência, estão os cargos de "ajudantes de obras civis" (37.565 novas vagas), almoxarifes e armazenistas (26.380), "vendedores e demonstradores" (24.889) e trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações (16.551).
De uma maneira geral, o topo do ranking de abertura de novas vagas é dominado por empregos relacionados a atividades operacionais, de início de carreira e com salários médios mais baixos. Em agosto, o salário médio de admissão no país ficou em R$ 1.725. O maior valor médio do ano, já considerando a inflação, foi registrado em abril (R$ 1.830).
Perspectivas para próximos meses e 2021
Os resultados do Caged de julho e agosto acima do esperado têm levado a uma melhora das projeções para o ano. A Tendências revisou a estimativa de perda de 1,2 milhão de vagas no ano para um número mais próximo a 1 milhão. A MB Associados espera agora um saldo negativo ao redor de 900 mil. Já a JF Trust estima que as demissões superem as contratações no ano em um número ao redor de 700 mil.
Segundo Xavier, mesmo com a perspectiva de novos resultados positivos em setembro, outubro e novembro, há ainda muitos "limitantes" para uma recuperação mais firme do mercado de trabalho como as incertezas sobre a trajetória da dívida do governo.
Ele cita também o fim do auxílio emergencial e a perspectiva também de encerramento no final ano do programa federal de suspensão e redução de jornada, que hoje beneficia 10 milhões de trabalhadores, ou 1 em cada 4 profissionais com carteira assinada.
"Ainda temos praticamente 30% das empresas dizendo que têm um impacto negativo no faturamento por conta da pandemia. O que vai ser um dos fatores-chave é se a velocidade de normalização do faturamento das empresas vai acontecer de forma compatível com a retirada dos estímulos financeiros que forem dados", destaca.
Já Vale destaca os riscos associados à evolução da pandemia e as preocupações em torno da aceleração da inflação e possíveis impactos na taxa de juros. "Estamos falando de uma recuperação lenta da economia e tem um cenário de longo prazo que começa a ficar tumultuado", diz.
Na avaliação dos analistas, o estoque de empregos com carteira assinada só deverá retomar o nível pré-pandemia, no melhor das hipóteses, a partir do fim de 2021, a depender sobretudo do horizonte de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), do andamento da agenda de reformas estruturais e da retomada dos investimentos.
Para o economista-chefe da gestora JF Trust, Eduardo Velho, o Brasil só conseguirá zerar as perdas da pandemia se conseguir crescer a uma taxa acima de 3% em 2021. "Agora, se a alta da economia ficar na faixa de 1% a 2%, como foi nos últimos 3 anos, só vamos recuperar o nível de emprego pré-pandemia em 2022, bem próximo da eleição presidencial", afirma.