Como ser doador de órgãos em vida ou após a morte? Entenda o processo

Hoje há mais de 41 mil pessoas na fila por um rim, num universo de mais de 44 mil pacientes à espera por órgãos sólidos

Como ser doador de órgãos em vida ou após a morte? | Reprodução
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O maior volume de órgãos para transplante vem de doadores cadáveres, mas, em alguns casos, como o de rim, é possível que haja doação entre parentes. A doação de pais para filhos, inclusive, é considerada uma das mais adequadas, tanto do ponto de vista ético quanto prognóstico.

O fator mais importante para o sucesso do procedimento é a compatibilidade imunogenética, ou seja, a capacidade de um órgão ou tecido se encaixar no novo organismo sem ativar em demasia o sistema imunológico do receptor, o que pode provocar rejeição. Além da compatibilidade sanguínea, Patrícia e Fábio eram também imunocompatíveis, ou seja o sistema imunológico do filho aceitaria bem o órgão da mãe, com baixíssima probabilidade de rejeição.

CUIDADOS DO DOADOR E RECEPTOR DE RIM

Quando não há possibilidade de doação entre pessoas vivas, a única alternativa é aguardar um doador cadáver. Quanto maior for o grau de compatibilidade, maior a chance de adequado funcionamento do órgão e menor a quantidade de drogas imunossupressoras, que têm de ser tomadas por toda a vida.

Entre os cuidados que o doador de rim precisa ter, assim como o receptor, está evitar o uso de medicamentos aos quais o órgão é particularmente sensível, como alguns anti-inflamatórios. Alguns alimentos, como a carambola, que também agridem o órgão, devem ser eliminados da dieta. Periodicamente, a função do rim remanescente é averiguada por meio de exames, como a dosagem sanguínea de creatinina, o acúmulo dela em níveis altos pode indicar perda da função renal.

Já o receptor precisa de um acompanhamento ainda mais próximo, com consultas periódicas para avaliar a função do órgão, o grau de rejeição e ajustar a dose de medicamentos. Pode ser necessário, inclusive, realizar biópsias. Após algumas semanas, pode-se voltar às atividades normais, respeitadas as limitações.

Foto: Venilton Kuchler/Agência de Notícias do Paraná

41 MIL PESSOAS NA FILA POR UM RIM

José Medina Pestana, médico nefrologista e superintendente do Hospital do Rim, instituição de referência nacional e internacional, onde são feitos de 900 a mil transplantes por ano, explica que, graças ao avanço na técnica de hemodiálise, é mais difícil que uma pessoa morra somente por causa da falta de órgãos. Hoje há mais de 41 mil pessoas na fila por um rim, num universo de mais de 44 mil pacientes à espera por órgãos sólidos (rim, fígado, coração, pâncreas/rim, pulmão, pâncreas e multivisceral).

"A máquina de hemodiálise dá ao paciente uma qualidade de vida muito razoável: a pessoa trabalha, vai dirigindo, exceto se ela tiver diabetes ou for extremamente obesa. Se a pessoa tiver diabetes, que levou a problemas coronarianos ou vasculares, a sobrevida em diálise é menor. O transplante é melhor que a diálise, mas a diálise, por si só, não faz a pessoa morrer mais rápido; o que causa isso são as condições associadas, como diabetes e complicações cardiovasculares."

AINDA EXISTEM BARREIRAS

Segundo Medina, o aumento proporcional de doações advindas de cadáveres (chegando a 85% no ano de 2023, segundo o Ministério da Saúde) mostra um "amadurecimento no conceito de doação de órgãos no país". No entanto, ainda existem barreiras que impedem que o número de doações seja maior.

Uma delas é a baixa notificação de potenciais doadores, pessoas com morte encefálica cujos órgãos tenham esse potencial— pelos profissionais de saúde. "Só aí daria para dobrar o número de transplantes", avalia.

Outra barreira é a recusa familiar, que chegou a 42,4% em 2023, também segundo o Ministério da Saúde. Este último gargalo, especialmente, pode ser contornado por meio da manifestação à família do desejo de ser um doador. "Quando a família nega a doação, não é necessariamente por questões religiosas ou culturais; é porque a pessoa falecida não manifestou claramente esse desejo em vida", diz Medina.

ENTENDA COMO FUNCIONA A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

TODOS PODEM DOAR ÓRGÃOS?

Nem todos podem ser doadores. Segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), a maioria dos pacientes com diagnóstico de tumores malignos, doença infecciosa grave aguda ou algumas doenças infectocontagiosas não podem doar órgãos. Há, ainda, outras condições que impedem a doação de órgãos, probabilidade de rejeição, idade do doador (para rim, por exemplo, o ideal é que o doador tenha até 75; para coração, até 50 anos, mas essas orientações podem mudar de acordo com avaliação médica) e tamanho do órgão. A decisão é realizada pelas equipes responsáveis pelo transplante.

QUANTAS VIDAS CADA DOADOR PODE SALVAR?

O doador que teve morte encefálica diagnosticada pode salvar mais de oito vidas e tem a capacidade de doar coração, pulmão, fígado, rins, pâncreas, córneas, intestino, pele, ossos e válvulas cardíacas. Em vida, o doador pode doar rim, médula óssea, parte do fígado (em torno de 70%) e parte do pulmão, em situações excepcionais.

O QUE ACONTECE APÓS A AUTORIZAÇÃO DA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS?

Após a autorização da família (ou do paciente, caso esteja doando em vida), será realizada coleta de sangue e a análise de anticorpos para HIV, hepatite B e C, HTLV, sífilis, doença de Chagas, citomegalovírus e toxoplasmose. Serão realizados ainda exames gerais de avaliação, principalmente, do fígado e rins. Após a avaliação, o doador é encaminhado para a cirurgia de retirada de órgãos.

Foto: Divulgação/Governo da Paraíba

COMO FICA O CORPO DO PACIENTE MORTO APÓS A DOAÇÃO?

Depois do preparo inicial da cirurgia, é realizada a reconstituição do corpo, procedimento que é previsto por lei. Assim, o corpo fica como antes do procedimento, com exceção de uma cicatriz no abdômen. Por isso, não há necessidade de nenhum sepultamento especial, e o doador pode ser velado normalmente.

COMO FUNCIONA O TRANSPORTE DO ÓRGÃO?

Segundo a ABTO, é o tempo de isquemia, ou seja, sem irrigação sanguínea, que determina o meio de transporte que será usado, o termo médico é referente ao tempo que órgão dura depois de ser retirado de um corpo. Além disso, o transporte precisa ser feito em uma caixa térmica que mantenha temperaturas entre 2ºC e 8°C.

HÁ RISCO DE PACIENTES QUE RECEBEM TRANSPLANTE DE UM ÓRGÃO?

Sim. Entre eles está a infecção, como aquelas que podem acontecer em qualquer paciente que passou por uma cirurgia. Há também possibilidade de infecções atípicas, que costumam afetar pacientes com o sistema imunológico enfraquecido. Segundo a ABTO, o risco de infecção retorna ao nível anterior ao do transplante em cerca de 80% dos indivíduos depois de seis meses.

TODOS PODEM SER DOADORES DE ÓRGÃOS?

O texto original da Lei dos Transplantes, de 1997, previa a doação presumida de órgãos, ou seja, a pessoa seria um potencial doador a menos que expressasse sua vontade contrária na carteira de identidade ou de motorista. No entanto, em 2001, uma medida provisória alterou o dispositivo para prever autorização de parentes, como consta na redação atual. 

Pode autorizar a retirada de órgãos e partes do corpo de pessoas mortas para transplantes o cônjuge ou um parente maior de idade, obedecida à linha sucessória até o segundo grau, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação do óbito. Por isso é importante, caso deseje que os órgãos sejam doados, avisar aos familiares ainda em vida.

É IMPORTANTE REGISTRAR O DESEJO EM CARTÓRIO?

A AEDO (Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos) é um documento de emissão gratuita e disponível nos 8,3 mil cartórios de notas de todo o Brasil. A declaração pode ser feita no site aedo.org.br. Após o processo, é realizado uma videochamada com o requerente para atestar sua vontade. Ao final, a autorização é assinada digitalmente pelo doador e notário, sendo disponibilizada para consulta por responsáveis do Sistema Nacional de Transplantes. 

Na legislação atual, em casos de morte encefálica, somente a família do paciente pode atestar a vontade da pessoa em doar os órgãos. Agora, com a autorização eletrônica, essa informação pode ser pedida pela pessoa ainda em vida e fica registrada numa base de dados que pode ser acessada por profissionais da saúde, com potencial de reduzir eventual oposição dos familiares à doação.

(Com informações da FolhaPress - Gabriel Alves)

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