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O desaparecimento do Papa Francisco como imagem do fim de uma era

Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu aos 88 anos, às 2h35 (horário de Brasília), 7h35 (horário local).

Papa Francisco | Massimo Valicchia via Reuters Connect

Por Paulo Mendes Pinto

Amado por uns, odiado por outros, o Papa Francisco não deixou ninguém indiferente. Para uns, foi o vislumbre de grandes mudanças dentro da Igreja Católica. Para outros, foi a encarnação do demónio, do Anticristo, destruindo muito do que consideram fundamental na visão conservadora.

Mas o mais importante foi a imagem do Papa Francisco, o resultado do seu trabalho e as posições fora dos muros da sua Igreja. E tudo começou com a sua espantosa visita a Lampedusa, poucos dias depois de ter sido eleito Papa, em 2013. Deu uma tónica, temática e metodológica, no uso da imagem e da mediatização.

Ao longo do seu pontificado, Francisco foi um dos agentes mais constantes na luta contra todo o género de atrocidades. Ainda recentemente, fez várias declarações sobre o programa de Donald Trump para repatriar imigrantes, o qual, dizia Francisco, “atenta contra a dignidade” dos imigrantes. Escreveu uma carta a Trump no Inauguration Day, apelando a uma postura mais humanista.

Trump foi, desde muito cedo, ainda durante a pré-candidatura, um dos seus mais constantes alvos de críticas. O PÚBLICO dava notícia, no dia 18 de Fevereiro de 2016, das polémicas afirmações de Francisco a respeito de Trump: “Papa diz que Trump 'não pode ser cristão'.” Afirmava, no voo de regresso de uma visita ao México, exactamente sobre o tema dos imigrantes: “Uma pessoa que só pensa em construir muros, sejam eles onde forem, e não em construir pontes, não pode ser cristã”.

E a tónica manteve-se ao longo dos anos, granjeando o respeito por católicos e não-católicos que viam no Presidente norte-americano uma sombra na busca de um mundo mais justo. Numa excelente síntese, há poucos dias, Celia Viggo Wexler, no US News, afirmava que “O Papa Francisco é o David do Golias de Donald Trump”.

Nestes momentos de perda, estão de luto muitos católicos, mas, sobretudo, muitos que viam neste homem um bastião dos valores europeus do humanismo, apesar de não ter dado alguns passos na busca da igualdade que muita gente na sua Igreja aguardava.

Num artigo de 14 de dezembro de 2019, “Francisco, o desejo de desejar”, afirmei que Francisco se tinha tornado como que uma “caixa-de-ressonância civilizacional do Ocidente”: “Pacificador, dialogante, actor nas situações de catástrofe, Francisco tomou para si o ónus de consciência colectiva, seja a nível político, contra a deriva radical de direita, seja a favor das acções contra as alterações climáticas onde a sua encíclica Laudato Si é referência em todos os sectores. Defensor do multilateralismo e das posições moderadas a nível político, não se inibiu em apodar Trump de não-cristão quando este conseguiu tomar para o seu campo muitos movimentos fundamentalistas cristãos.”

Hoje, estamos órfãos desta luz que, mesmo para os não-católicos, nos dava algum brilho de esperança. Havia quem, com a sua voz, gritava bem alto contra os vandalismos que se vão apoderando das nossas instituições através do medo que incutem.

O desaparecimento deste homem, exactamente no momento em que Trump cavalga o início deste radical mandato, é a imagem do que vivemos como civilização. Parte Francisco, assume Trump um poder executivo inimaginável nos EUA. É apenas uma coincidência, mas faz-nos pensar no devir da História e nos seus escusos caminhos.

*** As opiniões aqui contidas não expressam a opinião no Grupo Meio.
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