POR ANANDA SOARES
Em entrevista ao programa Notícias do Dia, apresentado por Cinthia Lages, a advogada Rosemary Farias denunciou a disseminação de discursos de ódio e a exposição indevida da imagem e de informações pessoais de uma adolescente de 15 anos que foi violentada sexualmente por cerca de quatro dias em Teresina.
A adolescente, que tem transtorno do espectro autista (TEA), desapareceu após sair da escola na última sexta-feira (6) e foi encontrada na tarde da última terça-feira (10). Ela estava em uma casa no bairro Saci, Zona Sul da capital, ao lado de um homem de 35 anos, preso em flagrante por estupro de vulnerável e cárcere privado.
exposição indevida
A divulgação da imagem e de informações sensíveis sobre a adolescente, tanto antes quanto após seu resgate, é mais um motivo de preocupação apontado pela advogada Rosemary Farias, que também é secretária-geral da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PI. Segundo ela, o caso representa uma violação dos direitos fundamentais de uma criança, principalmente por envolver questões relacionadas à saúde mental. Entre os dados expostos indevidamente da menina, estão o nome completo, o endereço, a escola, o estado de saúde e até detalhes sobre a violência sofrida, o que contraria a legislação vigente.
Ela destacou que, inicialmente, a família compartilhou imagens da adolescente com o objetivo de colaborar nas buscas, mas que, após o seu resgate, a continuidade da divulgação passou a configurar uma exposição abusiva. “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) protege a integridade física, psíquica e moral de crianças e adolescentes. Quando os portais continuam publicando fotos e permitindo comentários ofensivos, isso é uma violação grave. E mais: é crime”, reforçou.
Segundo a advogada, os pais da adolescente têm enviado para ela capturas de tela de comentários feitos por internautas, muitos deles carregados de deboche, insinuações maldosas e até acusações. “Infelizmente, há quem ainda questione a vítima. Há quem diga que estava ali por vontade própria, como se fosse possível consentimento em uma situação em que há cárcere, diferença de idade e condição de vulnerabilidade”, criticou.
Rosemary também mencionou a ausência de moderação por parte de veículos de comunicação e plataformas digitais. “Os portais têm responsabilidade solidária ao permitir que conteúdos criminosos sejam publicados em seus espaços. Não há qualquer tipo de filtro, monitoramento ou exclusão automática desses comentários. Isso é negligência”, disse.
A advogada informou que já solicitou formalmente a retirada de conteúdos de diversos sites e perfis. Alguns portais removeram as imagens ou borraram os rostos da adolescente, mas outros ainda mantêm conteúdos ativos, inclusive em veículos de repercussão nacional.
“A violência contra mulheres e meninas já é um problema gravíssimo no Brasil. Essa adolescente passou dias sob domínio de um agressor. Foi privada de liberdade, sofreu violência física e, provavelmente, psicológica. Ela agora precisa de proteção, de acolhimento, e não de julgamento público ou linchamento virtual. Ela só tem 15 anos”, pontuou a advogada.
INVESTIGAÇÕES CONTINUAM
O homem preso com a adolescente passou por audiência de custódia nesta quarta-feira (11). Em depoimento preliminar, alegou ter encontrado a jovem na rua e disse que ela teria pedido para ir à sua casa. A versão está sendo investigada, e a polícia não descarta a participação de outras pessoas no caso.
A investigação segue em sigilo e a família aguarda os resultados dos exames toxicológicos e da perícia médica. Enquanto isso, Rosemary fez um apelo por empatia e responsabilidade. “O que essa adolescente viveu foi brutal. A sociedade precisa entender que não há justiça fora dos parâmetros legais. Julgamento nas redes sociais não ajuda. Só agrava o sofrimento”, concluiu.
TRANCADA EM IMÓVEL
Segundo a Polícia Civil do Piauí, a garota estava trancada dentro do imóvel e apresentava sinais de desorientação. O delegado Jorge Terceiro, titular da Delegacia de Desaparecidos (Desap), afirmou que a adolescente estava visivelmente abatida, com escoriações no rosto, e foi encaminhada ao Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual (Samvvis) para exames, que confirmaram que a menina sofreu violência sexual.