Caso Spitzner 1 ano: marido irá a júri e MP trabalha pela condenação

Tatiane Spitzner, segundo o Ministério Público, foi estrangulada e jogada da sacada pelo marido. Ela morreu no dia 22 de julho de 2018

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Há cerca de um ano, o país assistia horrorizado a cenas gravadas por câmeras de segurança que mostravam a advogada Tatiane Spitzner sendo espancada e encurralada pelo marido, o professor Luis Felipe Manvailer, no elevador e na garagem do prédio em que moravam, em Guarapuava (PR). Na sequência do que se viu nas filmagens, Tatiane, segundo o Ministério Público, foi estrangulada e jogada da sacada pelo marido. Ela morreu no dia 22 de julho de 2018.

O que aconteceu de lá para cá? Manvailer foi preso preventivamente, virou réu num processo por homicídio, tendo o feminicídio como qualificador que aumenta a pena, e, em maio, a Justiça decidiu que o caso vai a júri popular --quando são cidadãos "normais" e não um juiz, que decidem se o réu é culpado ou inocente. O juiz, posteriormente, aplica a pena, caso ele seja considerado culpado.

"No tribunal do júri, a sociedade dá uma solução ao crime. Considero o da Tatiane emblemático. Tanto que foi criado o Dia do Combate ao Feminicídio no Paraná na data em que ela morreu ", diz a promotora Dúnia Serpa Rampazzo em entrevista a Universa.

Ainda não há data para o julgamento, mas casos similares levam em média dois anos para serem concluídos. A promotora, que desde 2013 trabalha em casos de violência doméstica no MP, já tem os argumentos para provar ao júri a culpa de Manvailer. "O estrangulamento dela foi uma execução típica de feminicídio. Asfixiar é uma maneira de o homem mostrar sua superioridade física e subjugar a mulher", diz.

Veja trechos da entrevista:

Qual é, exatamente, o estágio atual do processo?

A Justiça decidiu, em primeira instância, que o réu deverá ser submetido ao Tribunal do Júri [júri popular] por homicídio qualificado e fraude processual. Esta decisão ainda não é definitiva porque a defesa recorreu para para que o réu seja excluído de todos crimes. Também houve a absolvição pelo crime de cárcere privado, mas o MP recorreu. Agora, cabe ao Tribunal de Justiça decidir sobre esses recursos.

O réu pode ser excluído de todos os crimes?

O TJ irá dizer. Mas a juíza em primeira instância já reconheceu haver indícios de autoria e prova da materialidade para que o réu seja submetido a julgamento por prática do crime doloso contra a vida --homicídio qualificado por motivo fútil, asfixia, meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima e contra mulher mediante violência doméstica (feminicídio). Apenas houve a exclusão do crime de cárcere privado, que o MP recorreu, por entender que existem provas da prática de tal crime.

Por que o MP alega que houve cárcere privado?

As imagens das câmeras de segurança demonstram que, a partir das 2h38 do dia 22 de julho de 2018, o acusado impediu que a vítima deixasse sua companhia, de forma violenta, e a obrigou a descer do elevador e a entrar no apartamento. Ela ficou presa por 20 minutos. A juíza diz que não foi um tempo juridicamente relevante, mas entendemos que foi. Tatiane tentou fugir desesperadamente, e o acusado não permitiu. Se a liberdade dela não tivesse sido restrita, poderia ter sobrevivido.

Por causa da comoção gerada, as chances de condenação, por parte do júri popular, aumentam; correto?

Não se pode dizer isso. Mas o MP fará tudo para que ele seja condenado. Vou trazer em plenário, quando houver júria, a argumentação de que o estrangulamento é um meio de execução típico do feminicídio porque demonstra a superioridade física do homem, a subjugação da mulher e um total desprezo à condição da vítima. Vou levar isso para os jurados, que não conhecem o texto frio da lei, e demonstrar para pessoas da sociedade como ocorre o crime.

Ao longo desse um ano do processo, o que mais a surpreendeu nas investigações?

Concluir que ela sofria todos os tipos de violência que constam na Lei Maria da Penha. As testemunhas diziam que ele a xingava, dava apelidos depreciativos, não a deixava usar saias curtas e controlava o dinheiro que ela ganhava. Mas Tatiane não entendia isso como um problema. Esse caso é importante para mostrar que o feminicídio é antecedido de vários tipos de violência.

Viu alguma mudança na maneira em que se fala sobre feminicídio no país depois da morte da Tatiane?

Muita gente nem conhecia o termo feminicídio. O número de reportagens explicando o crime foi enorme e o país procurou entender sua gravidade. Aqui no Paraná, inclusive, foi criado o Dia de Combate ao Feminicídio, por meio de uma lei estadual, sancionada no dia 25 de junho. A data será fixada em 22 de julho, quando ela morreu.

A senhora acompanhou algum caso tão trágico quanto este, no último ano, mas que não teve tanta repercussão? 

Sim. Em janeiro, realizei a acusação de um caso de feminicídio em que a vítima foi espancada e teve os órgãos genitais mutilados com uma faca e uma chave de fenda. Ela morreu por hemorragia, em decorrência das lesões. Os acusados eram o marido e um vizinho que o auxiliou. Eles foram condenados a 25 e 19 anos de prisão, respectivamente. Normalmente, os casos de feminicídio trazem algum ataque relativo à feminilidade e a personalidade da vítima, como agressões nos órgãos genitais e no rosto. Demonstram um menosprezo pela mulher, pelo que é feminino. No caso da Tatiane, foi a asfixia, em que o homem quer mostrar sua força. Em outro caso, a vítima foi uma prima de Tatiane, Márcia Spitzner. Ela foi morta a tiros pelo ex-companheiro em 2017, e ele foi condenando a 78 anos e 5 meses de prisão no dia 3 de junho.

Outro lado

A defesa do réu Luis Felipe Manvailer foi procurada pela reportagem, mas não quis se manifestar.

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