Foram cinco anos de trabalho, muitos obstáculos e uma competição acirrada de diretores para adaptar a história da ex-prostituta Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha, para as telonas. Mas foi o estreante em longas de ficção, Marcus Baldini, que conseguiu o feito. Não só o de dirigir mas também o de atrair, em apenas dez dias, um público de 1 milhão de espectadores. Números raros para o cinema nacional, especialmente quando não estamos falando do gênero que ficou vulgarmente conhecido como favela movie, caso de Tropa de Elite ou Cidade de Deus, ou dos recém-lançados filmes de fé, representados por Nosso Lar e Chico Xavier, dois grandes sucessos de 2010.
Mas qual a receita para tamanho sucesso? Seria Deborah Secco, destaque na novela Insensato Coração e queridinha do público nacional? Ou mesmo Bruna Surfistinha, que controversa ou não, tornou seu livro de relatos O Doce Veneno do Escorpião, que dá base para o roteiro, em best-seller, desbancando a moral e provando que sim, uma prostituta, às vezes, pode se tornar uma heroína? Para Baldini, foi uma mistura desses dois elementos, embora o próprio trabalho na produção viesse em primeiro lugar.
"Acho que o valor midiático de ter uma estrela no elenco sem dúvida ajuda, mas há um trabalho em conjunto. Essas duas figuras são muito importantes no processo. Para mim, o sucesso se deve ao trabalho de interpretação, não só de Deborah, como de todos os profissionais envolvidos no longa, fora ou atrás das câmeras", disse o cineasta em entrevista por telefone ao Terra, em São Paulo.
Confira a entrevista na íntegra:
Com o sucesso de "Bruna Surfistinha" nas salas nacionais, há algum plano para aumentar o número de cópias e fazer o filme alcançar outras cidades no Brasil?
Ainda não falamos sobre isso. O que queremos é reposicionar algumas cópias em lugares com maior demanda. A gente conseguiu alcançar esse número (de espectadores) mesmo com um número de cópias um pouco menos do que o da estreia. Em alguns lugares o filme deu espaço a outros, mas vamos tentar fazer com que ele volte a ser exibido. Mas a questão das cópias quem resolve mesmo é a Imagem (distribuidora).
"Bruna Surfistinha" é provavelmente o primeiro filme nacional que fez sucesso sem apelar para problemas políticos ou sociais (Tropa de Elite 2), à comédia caricata (Se Eu Fosse Você 2) ou à religiosidade (Chico Xavier). Você acha que ele pode inaugurar um novo tipo de narrativa no cinema nacional popular? Algo com uma originalidade que não era vista desde antes da retomada nos anos 1990?
A gente discutia muito para descobrir que filme usar como referência para o "Bruna". Ficávamos pensando como seria a repercussão do público, em quantas salas ele seria lançado. Só que a gente não achava nenhum outro comparativo, justamente pelo filme divergir das temáticas mais comuns. Nós mostramos a história de uma menina que tem momentos divertidos, mas outros muito dramáticos. Eu fico muito feliz com essa receptividade, até porque ele não lida com a coisa social política das drogas. Isso demonstra que o público começou a receber melhor o cinema brasileiro. "Bruna Surfistinha" surge numa hora de amadurecimento desse mercado. Mercado esse que a gente consegue inovar sem nos prender a coisas que já foram feitas.
"Bruna Surfistinha" já começou a despertar interesse de outras pessoas que querem pegar carona neste sucesso. Em recente entrevista, Samantha Moraes, a aeromoça que o advogado João Correa de Moraes abandonou para ficar com Raquel Pacheco, disse que quer contar "sua versão da história" nas telas. Como você reage ao saber disso?
Eu não consigo julgar a ideia de alguém que quer fazer um filme. Muitas histórias, se feitas sob um olhar sensível e sincero, podem acabar se tornando filmes interessantes. Mas eu não vejo relação na história dela com a do meu filme. Até porque, a "versão dos fatos" dela é inexistente. Embora aborde este capítulo, "Bruna Surfistinha" não entra no mérito de falar sobre a família deste cliente.
O filme está com uma classificação etária de 16 anos, algo que normalmente assusta as distribuidoras porque afasta o público adolescente. Você acha que se "Bruna Surfistinha" talvez tivesse uma classificação mais aberta, como 12 ou 14 anos, essas bilheterias responderiam ainda melhor?
Antes de rodar, eu sempre disse que era o filme que ia dar a classificação indicativa, não o contrário. Eu não queria fazer nada que agredisse mais do que "Bruna" já agride. Nossas cenas são perfeitamente coerentes e têm o impacto que eu queria que elas tivessem. Na minha visão leiga, 16 anos me parece a classificação perfeita. Não pensei nessa classificação e ninguém me pressionou em relação a isso.
Como vocês trataram a questão da pirataria? A distribuidora está conseguindo controlar os downloads ilegais e as vendas em camelôs?
Infelizmente isso é inevitável, acontece. E prejudica muito esse trabalho de cinco anos. No nosso caso, não sentimos nenhum impacto na bilheteria. Ela está melhor do que a gente esperava. Então, nossa relação com a pirataria ainda está amena. Honestamente, a gente não tem sentido muito.
O que vocês estão preparando para o DVD e o Blu-Ray? Quando ele sai?
Estamos planejando uma versão extendida que deve acontecer. Não sei para quando, mas queremos prolongar algumas cenas que ficaram de fora num material especial.
Sabemos que inicialmente você recusou Deborah Secco para o papel. E no fim acabou dando muito certo. Agora, a quem você credita esse sucesso? Deborah ou Bruna?
Para ser sincero, acho que ao filme. Acho que o valor midiático de ter uma estrela no elenco sem dúvida ajuda, mas há um trabalho em conjunto. A somatória dessas duas figuras são muito importantes no processo. Mas para mim, o sucesso se deve ao trabalho de interpretação, não só de Deborah, como de todos os profissionais envolvidos no longa, fora ou atrás das câmeras.
E a comemoração?
Vamos comemorar sim com o pessoal do filme. Acho que vamos fazer um jantar ou uma festinha. Só estou esperando o pessoal voltar do Carnaval para fazer algo na quinta ou na sexta à noite.