Bolsa Família cresce, mas existe falha cadastral, afirma Veras

Estudo mostra que 66,7% da população extremamente pobre é atendida pelo programa

Brasil ainda tem 16 milhões de pessoas vivendo na miséria, ou seja, que ganham até R$ 70 por mês | Celso Júnior
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O Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal, chama a atenção do mundo porque conseguiu crescer muito e é relativamente barato, afirma Fábio Veras, coordenador de Proteção Social do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo das Nações Unidas em Brasília. No entanto, de acordo com ele, a política ainda tem problemas, como identificar moradores de rua e conseguir apoio das prefeituras para que cadastrem todos os potenciais beneficiários.

- O Brasil é enorme, é um país que tem uma estrutura extremamente descentralizada. O programa Bolsa Família, que é nacional, depende em grande medida do empenho dos governos subnacionais, particularmente das prefeituras.

Um terço das famílias extremamente pobre no Brasil, alvo de um novo programa do governo para acabar com a miséria, a ser lançado nas próximas semanas, ainda não é beneficiária do Bolsa Família. De acordo com um estudo divulgado nesta sexta-feira (20) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 66,7% da população em situação de extrema pobreza reside em domicílios atendidos pelo programa.

O governo deve lançar nos próximos meses um novo programa de combate à pobreza extrema, cujo objetivo é tirar mais de 16 milhões de brasileiros da miséria. Ainda de acordo com o anunciado pelo governo, o projeto terá como foco as famílias cuja renda per capita é de até R$ 70 por mês.

Para Fábio Veras, o Bolsa Família, assim como outros programas do tipo do mundo, tem a característica de focar as famílias e crianças mais desfavorecidas, com o objetivo de melhor a vida das próximas gerações.

Leia a seguir trechos da entrevista.

R7 - O Brasil já conseguiu cumprir a meta da ONU (Organizações das Nações Unidas) e mesmo metas nacionais em relação à fome e à pobreza extrema, mas ainda há milhares de pessoas nessa situação. Onde estão os gargalos dessas políticas?

Fábio Veras - É complicado comparar todas essas metas que foram atingidas, porque elas se baseiam em índices de pobreza diferentes. As linhas de pobreza dos objetivos do milênio [da ONU] são bem mais baixos, seguem padrões internacionais. Em geral, são linhas alimentárias, que se referem à quantidade de dinheiro necessária para comprar apenas alimentos, não leva em conta outras necessidades. Com respeito à quantidade de pobres extremos que nós temos, devemos levar duas coisas em consideração. A primeira é a pobreza absoluta, a dimensão de você não conseguir ter acesso a produtos e serviços básicos para a sua sobrevivência digna. A outra coisa é uma pobreza relativa, no sentido de que há certos [itens] mínimos aos quais todo mundo têm acesso ? e quem não tem está na pobreza.Mesmo os países desenvolvidos, como os europeus, têm medidas de pobreza relativa.

R7 - A transferência de renda é importante, mas por que não conseguiu atingir todos os brasileiros que deveria?

Veras - Na verdade, está havendo um esforço extra do governo agora, no sentido de estimular os municípios a cadastrarem o maior número de famílias nessa situação. Há grandes desafios, como, por exemplo, identificar população de rua. O Brasil é enorme, é um país que tem uma estrutura extremamente descentralizada. O programa Bolsa Família, que é nacional, depende em grande medida do empenho dos governos subnacionais, particularmente das prefeituras.

R7 - A definição de linha de pobreza apenas pela renda mensal das pessoas é interessante?

Veras - É prático, porque você consegue fazer comparações, e também a renda monetária está correlacionada a outras variáveis, tanto como causa quanto como consequência. As pessoas que são extremamente pobres, se você olhar o perfil dos últimos estudos que saíram, são pessoas que têm menores níveis de educação, que não tiveram inserção no mercado de trabalho, são famílias que em geral têm um número maior de crianças. Todos os países desenvolvidos do mundo têm, em geral, a ideia de transferir mais renda para famílias com crianças. Porque aí você garante que as crianças podem ter a nutrição adequada, e com isso uma melhor saúde e uma melhor capacidade de aprender as coisas na escola.

R7 - Quais outros desafios? A alfabetização é um grande empecilho para que as pessoas saiam da pobreza?

Veras - Mesmo quando falamos em qualificar profissionalmente, a gente tem de ver qual é a base educacional, o tipo de qualificação, ver se o setor privado e os cursos pagos pelo Ministério do Trabalho têm a tecnologia adequada para esse tipo de população. Se a pessoa não tem capacidade básica de aprender, o nível mínimo de alfabetização, muito dificilmente vai conseguir ser treinado pra cumprir certas funções ou conseguir um emprego formal um dia.

R7 - Por que o Brasil é considerado um exemplo positivo internacionalmente quando se fala em políticas de combate à fome e à miséria?

Veras - O caso brasileiro chamou muito a atenção porque é um programa que cresceu, não ficou pequeno, contentando-se com 7% ou 8% da população. É um programa que atinge 25% da população. Neste sentido, um programa de garantia de renda que tem um viés pró-criança. Acho que isso chama a atenção. Também é muito atrativo o fato de o programa ser relativamente barato, custa muito menos que 1% do PIB [Produto Interno Bruto] do país.

R7 - Que comparações há entre as políticas brasileiras e as de outros países, como as da América Latina?

Veras - Aqui na América Latina é onde mais se tem experiência com programas de transferência condicionada. Além do Brasil, o México tem programas grandes, a Colômbia tem crescido muito, já atinge 20% da população, o do Equador também tem crescido muito. Há toda uma atmosfera na América Latina de que é preciso completar a proteção social com o viés pró-criança. No caso de Uruguai e Argentina, é interessante observar que esses programas acabaram levando a uma reforma da transferência de salário-família. Há todo um movimento nesses dois países de transformar isso em uma transferência universal para as crianças, que é o que se observa nos países europeus. É um movimento que se observou nos últimos 10, 15 anos, de aumento de gastos com proteção social e transferência de renda, visando proteger as pessoas ao longo da vida com foco nas famílias.

R7 - Esses programas são importantes para o crescimento e desenvolvimento econômico dos países?

Veras - Sim, também tem esse aspecto. Algumas dessas transferências ainda são muito baixas para afetar a economia como um todo, mas são suficientes para dinamizar economias locais. Não no sentido de que ela vai propiciar sozinha uma nova estratégia de desenvolvimento. Isso não vai conseguir, mas potencializam certas dinâmicas.

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