A boate Kiss, em Santa Maria (RS), local da tragédia que matou 236 pessoas no domingo (27), ficou sem alvará válido de prevenção contra incêndios durante quase um ano e meio ao longo de seus 3 anos e 5 meses de funcionamento, de acordo com relatório entregue pelos bombeiros à polícia.
A Polícia Civil investiga se a casa noturna poderia estar em funcionamento no dia da tragédia, depois que a informação de que a boate estava com o alvará vencido desde agosto de 2012 foi divulgada na manhã seguinte ao incêndio. "Está vencido desde agosto. O alvará é necessário para o funcionamento da casa na sua normalidade", disse no dia o tenente-coronel Moisés da Silva Fuchs, comandante do Corpo de Bombeiros da Região Central do Rio Grande do Sul.
Depois disso, bombeiros, prefeitura, promotores, especialistas e o advogado do proprietário da boate se posicionaram sobre o assunto (veja abaixo o que cada um disse sobre o alvará da boate).
Histórico da tramitação
O primeiro alvará foi expedido em 28 de agosto de 2009, com validade de um ano. Após o vencimento, a nova licença só foi dada no dia 11 de agosto de 2011, tendo vencido em agosto do ano seguinte, mais de cinco meses antes da tragédia.
Os períodos em que a autorização não esteve em vigor foram marcados por trâmites burocráticos envolvendo o Corpo de Bombeiros e a casa noturna (veja ao lado datas, pedidos, inspeções e autorizações envolvendo o alvará de prevenção contra incêndios).
O incêndio na casa noturna teve início durante o show da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. Segundo relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso, para a rua.
- O alvará dado pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.
O que disseram os bombeiros
Em nota divulgada nesta sexta-feira (1) no site da Brigada Militar, o comandante-geral Sérgio Roberto de Abreu disse que o proprietário da boate Kiss pediu inspeção dos bombeiros para renovação do alvará e que o processo estava em tramitação. Ele afirmou que, de acordo com o alvará anterior, "os sistemas de prevenção de incêndio previstos na lei estavam instalados e operantes".
Durante o período de tramitação da renovação do alvará, segundo Abreu, "não há previsão legal para interdição imediata determinada pelo Corpo de Bombeiros, cuja competência é limitada às questões relacionadas ao sistema de prevenção de incêndio".
Na terça-feira (29), o major Gerson Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, afirmou em entrevista coletiva que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", disse Pereira.
"Eles tinham tudo. O extintor pode ter falhado, por isso sempre pedimos atenção à data de validade. Gostaria de ter efetivo para que a fiscalização fosse realizada semanalmente, mas é inviável. Se os proprietários efetuaram mudanças no local após a última vistoria, não temos como controlar", completou.
Ao Jornal Nacional, o coronel Guido Melo, comandante do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul, reconheceu que o pedido de vistoria foi feito por parte da boate. "Quando dá entrada no protocolo, automaticamente entra na fila aguardando a inspeção", afirmou.
O que disse a prefeitura
Na terça, a Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio na boate e disse que que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. "A prefeitura não é responsável. A prefeitura está com tudo na lei", disse na ocasião o secretário de Relações de Governo e Comunicação, Giovani Mânica.
A prefeitura também entregou cópia da lei estadual 10.987. Em seu parágrafo primeiro, a lei afirma que o Corpo de Bombeiros deverá realizar inspeção anual nos prédios considerados de risco grande e médio e a cada dois anos nos prédios realizados de risco pequeno.
A lei ainda diz que aquele que não apresentar plano de prevenção e proteção contra incêndio, que no caso a boate Kiss estava vencido, poderá sofrer sanções do Corpo de Bombeiros, como multas, advertência e interdição."Não sou eu quem responsabiliza (o Corpo de Bombeiros). É a lei", afirmou o secretário.
A procuradora-geral de Santa Maria, Anny Desconzi, disse ao G1 na quinta-feira (31) que um decreto municipal regulamenta as situações em que a prefeitura pode cassar o alvará de funcionamento do estabelecimento e que o caso da boate Kiss não se enquadra em nenhum deles.
"O decreto 032 de Santa Maria, publicado em 2006, diz no artigo 17 que a prefeitura só pode cassar o alvará nas seguintes situações: 1) informação restritiva do Corpo de Bombeiros sobre a situação do plano contra incêndio; 2) informação restritiva da Secretaria Municipal de Saúde sobre a situação sanitária; 3) informação restritiva da Secretaria Municipal de Meio Ambiente sobre poluição sonora; 4) fiscalização que encontre irregularidades ou 5) impedimento do livre acesso das autoridades públicas ao local", explicou Anny.
Para ela, como o Corpo de Bombeiros e nenhum outro órgão enviou informação sobre a situacao da boate, a prefeitura não tinha como agir. "A prefeitura só pode tirar o alvará em uma destas hipóteses.
Esta previsto na legislação municipal. A prefeitura fez a sua parte realizando fiscalizações periódicas. A cada ano vistoriamos todas as casas noturnas. Em 2012 foi em abril. Este ano, faremos em abril de novo. As mudanças na Kiss foram neste período que não entramos lá".