Uma arma do tráfico de drogas virou ferramenta de educação para jovens carentes em Ilhabela, no litoral de São Paulo. A partir do próximo domingo, o veleiro Charlie Bravo, que já foi usado no tráfico de drogas, vai competir, pela primeira vez, na Semana de Vela de Ilhabela, o principal evento náutico da América Latina. A bordo estarão garotos de comunidades pobres da ilha do litoral norte, que estão aprendendo a velejar no antigo barco de contrabando.
O Charlie Bravo foi doado pela Polícia Federal para a prefeitura de Ilhabela em 2010. A história do veleiro antes disso é um mistério. ?O que sabemos é que ele foi apreendido no litoral de Santos transportando cocaína. Por sorte, o delegado que fez a apreensão gosta de velejar e sabia que nós tínhamos um projeto para ensinar vela a crianças carentes?, conta Sérgio do Valle, diretor náutico da Prefeitura de Ilhabela.
O tempo entre a apreensão e a doação para Ilhabela, porém, foi longo. ?Quando ele chegou, já estava bastante deteriorado e precisamos fazer reformas. A maioria dos trabalhos foi feita pelos alunos mesmo, mas contamos também com doações. Na semana passada, disputamos a primeira regata com ele, o Warm Up (campeonato que antecede a Semana de Vela)?, completa Sérgio.
A chegada do Charlie Bravo à frota da Prefeitura ajuda, e muito, os alunos. Ele é o único veleiro de Oceano da escola de vela e atende cerca de 70 garotos, a partir de 15 anos ? que devem estar matriculados na rede pública de ensino de Ilhabela. Os outros barcos são monotipos menores, para iniciação no esporte. Com o barco maior, os garotos têm a oportunidade de melhorar o conhecimento e a técnica em embarcações maiores, aumentando a área de serviços em que são treinados.
O objetivo da escola de vela não é apenas formar velejadores, mas treinar os alunos em diversas profissões da área náutica. A função mais procurada é a de marinheiro, o profissional que cuida dos barcos para os donos que não moram na Ilha. ?Além disso, como os garotos saem da escola com grande conhecimento de vela, eles são muito requisitados em época de Semana de Vela para fazerem funções mais técnicas em tripulações de competição?, lembra Sérgio.
Apesar do esforço dos alunos, o veleiro ainda não está em condições perfeitas para velejar. Com cerca de 30 anos de idade, o Charlie Bravo chegou à Ilhabela ainda com suas velas originais, que foram trocadas. A escola, porém, ainda depende de doações para novas atualizações. A lista de equipamentos necessários para o barco tem novos aparelhos de radar, GPS, piloto automático, estação de vento e rádio comunicação, além da reforma da geladeira e das bombas dos banheiros.
?Ainda temos muita coisa para fazer, mas o Charlie Bravo já mostrou que é bom barco. Um veleiro gêmeo (do mesmo modelo e tamanho) já ficou dois anos dando a volta ao mundo. E na primeira competição, mesmo com uma tripulação nova, ficamos em quarto lugar, empatado com o terceiro colocado?, completa Sérgio.