Após a morte do estudante Eduardo de Jesus Ferreira, 10, no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, a família da vítima viajou para o Piauí e deixou para trás a cadela Pipoca e os gatos Cast e Ed. Os animais foram adotados pela vizinha, Mariléia Santos, 34, que aguarda o contato da mãe de Eduardo, Terezinha de Jesus, para saber se ela vai querê-los de volta.
"Se ela não quiser, meu marido já falou que eles não vão sair daqui. Seremos a nova família deles", afirmou ela, nesta sexta-feira (17), horas antes da reconstituição do crime pela Polícia Civil.
Segundo a moradora da localidade Areal, no Complexo do Alemão, desde que Eduardo morreu após ser atingido por um tiro na cabeça na porta de casa, Pipoca "chora todos os dias" e "só quer saber de ficar no cantinho, triste". "Ela até come normalmente e, às vezes, brinca com a gente. Na maior parte do tempo, ela dorme ou fica deitadinha no canto dela", afirmou.
Mariléia já tinha outro cão em casa, o Bingo, que, segundo ela, recepcionou bem a nova integrante da família. "Aqui em casa não tem confusão. Tem espaço para todo mundo. Os gatos sofrem mais, mas é melhor tê-los em casa do que na rua", disse. Mariléia afirmou ainda que Pipoca e Eduardo sempre estavam juntos. "Ele tinha a cachorrinha como uma verdadeira amiga. Ela corria atrás dele pra cima e pra baixo", disse.
Se depender da família de Eduardo, no entanto, a cachorrinha vai ter que se habituar ao calor do Piauí.
"Vem todo mundo, vou dar um jeito de trazer a Pipoca e os gatos também", diz Terezinha de Jesus, mãe de Eduardo. Ela e a família, que voltaram ao Rio para ajudar nas investigações da morte do menino, pretendem voltar a viver no Estado natal de Tereza o mais breve possível.
José Maria, pai de Eduardo, conta que foi o filho quem batizou a cachorra. "Como ela é branquinha, branquinha, o Dudu quis chamar de Pipoca. Ela era agarrada demais com ele."
Marcas de tiros
A casa de Mariléia, que fica ao lado do imóvel no qual moravam Eduardo e a família, ainda guarda as marcas dos tiros que, segundo ela, foram disparados por um policial militar no dia em que o menino foi baleado. Dois buracos na lateral da residência foram preenchidos com cimento. "A gente não gosta de olhar e lembrar", disse ela.
A reportagem percorreu nesta manhã algumas vielas e becos das localidades Areal e Sete de Setembro, na comunidade da Grota, no Complexo do Alemão, onde mais tarde ocorrerão duas reconstituições feitas pela Divisão de Homicídios: as das mortes de Eduardo de Jesus Ferreira e Elizabeth Francisco.
Elizabeh morreu um dia antes de Eduardo, também atingida por um disparo cuja procedência está sendo investigada. Ela estava em casa, com os filhos, no momento em que foi baleada. Familiares da vítima estão nesta manhã presentes no local da tragédia, à espera dos policiais civis que participarão da reconstituição.
Segundo o marido de Elizabeth, Carlos Roberto Francisco, a família espera ver novamente o rosto do suposto autor do disparo. Ele explicou que o filho mais velho do casal, Maicon Francisco, 18, que estava ao lado da mãe no momento em que o projétil perfurou o pescoço dela, disse ter "visto o rosto do policial que atirou".
"Se esse policial vier aqui hoje para a reconstituição, meu filho disse que vai falar na cara dele: 'Você que fez essa covardia'. A família não tem a menor dúvida de que foi esse policial que matou a Beth", disse.
Francisco revelou ainda que as famílias das duas vítimas (Eduardo e Elizabeth) participaram de uma reunião na noite de quinta (16) com o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, no Palácio Guanabara, na zona sul do Rio. "Ele nos pedia desculpas o tempo todo. Falou que, quando o pessoal dele erra, ele erra também. Eles vão arcar com tudo", disse. "Ninguém vai sair impune."