Investigado há três anos, o esquema de formação de cartel em contratos de trem e metrô do governo do estado de São Paulo não levou ninguém para a prisão até agora. O Ministério Público denunciou cerca de 30 pessoas, entre empresários, lobistas e ex-funcionários das estatais paulistas que cuidam do transporte sobre trilhos em oito processos diferentes. Já as ações que investigam a participação de políticos no esquema não provocaram a acusação formal de nenhuma pessoa.
Em 2017, o cartel ainda deve render pelo menos mais uma ação na Justiça Estadual e outra na Justiça Federal, segundo investigadores ouvidos pelo GLOBO. Responsável por parte dos processos, o promotor Marcelo Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão a Formação de Cartel e Lavagem de Dinheiro (Gedec), culpa medidas protelatórias de advogados dos acusados e a ausência de uma vara especializada em crimes financeiros pelo atraso no andamento dos casos.
Na Operação Lava-Jato, que apura a formação de cartel de empresas na Petrobras, dois anos foram tempo suficiente para o doleiro Alberto Youssef ser condenado, cumprir pena e progredir para o regime aberto. Em três anos, os processos são analisados até pela segunda instância. Ao contrário do que acontece em São Paulo, onde um único promotor investiga todos os casos do cartel, na Lava-Jato há uma força-tarefa de policiais e procuradores, além de um juiz especializado.
O cartel dos trens foi descoberto após uma mudança no comando da multinacional Siemens, que decidiu assinar um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2013 denunciando as irregularidades que aconteceram desde 1995, durante os governos dos tucanos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Assim como a Odebrecht fez na quarta-feira, a Siemens também fechou acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ). Em 2008, a empresa se comprometeu a pagar US$ 1,3 bilhão (R$ 4,2 bilhões).
A Siemens combinava, com outras empresas, como a Alston, a Bombardier, a Mitsui e a Tejofran, o resultado das licitações de contratos para reformas de vagões e equipamentos utilizados na operação dos trens. Emails apreendidos com executivos dessas empresas mostram que valores, parcerias e contratações de empresas menores eram acertadas previamente. Executivos e funcionários públicos recebiam propina para garantir o funcionamento do esquema, segundo a investigação. Só nas cinco primeiras ações, estima-se que R$ 557 milhões foram desviados para pagar os acordos irregulares.
— É quase impossível que essas empresas tenham ganhado as licitações daquele jeito sem apoio político. Analisando os documentos dessas licitações fica claro que há uma combinação e acho pouco provável que quem trabalha diretamente com isso não perceba — afirma Mendroni.
O promotor diz acreditar que ainda existam carteis atuando no governo de São Paulo, de forma mais sofisticada do que fizeram nas últimas décadas. Para ele, a demora no julgamento dos casos é uma das causas para a reincidência.
— Hoje, cartel e lavagem de dinheiro são crimes que ainda compensam no Brasil pela falta de rigor nas punições.
Enquanto na Lava-Jato, o juiz Sérgio Moro chegou a aceitar uma denúncia feita pelo Ministério Público Federal no dia seguinte, como aconteceu no caso do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, a Justiça paulista leva de seis meses a um ano para dizer se a acusação feita pelo MP deve ou não prosseguir.
Aceitar uma denúncia é apenas o primeiro passo de uma ação judicial. De acordo com a lei, todos os acusados devem ser avisados pessoalmente de que são réus. Ao menos cinco investigados estrangeiros que vivem fora do país ainda não foram encontrados pela Justiça, e seus advogados se recusam a receber a citação. Para Mendroni, como esse procedimento trava o processo, é motivo suficiente para pedir a prisão temporária dos acusados. Nenhum juiz, porém, aceitou seus pedidos.