FACES DO PIAUÍ - Antônio Amaral: como um professor pode mudar caminhos

O trabalho do professor Amaral no treinamento de alunos de escolas públicas de Cocal dos Alves levou o Piauí ao pódio da matemática escolar brasileira

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Por Sávia Barreto e Juarez Oliveira

Ele superou o apresentador da TV Globo, Luciano Huck, o lutador Anderson Silva e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Antônio Cardoso do Amaral, professor de matemática na cidade piauiense de Cocal dos Alves, foi o vencedor da eleição de Homens do Ano ALFA ? Escolha do Leitor, realizada no site da revista de circulação nacional. O trabalho de Amaral no treinamento de alunos da escola pública Augustinho Brandão e também da Unidade Escolar Teotônio Ferreira Brandão para a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) chamou atenção, inclusive, da presidente Dilma Roussef.

Mais conhecido como Amaral, o professor tem 31 anos, é casado e pai de dois filhos gêmeos, Saulo e Sávio. A esposa de Amaral, que ele conheceu quando tinha apenas 18 anos, é pedagoga e diretora da Unidade Escolar Teotônio Ferreira Brandão. Desde 2005, o professor transformou 121 alunos em medalhistas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. O saldo total dos alunos cocalalvenses na Olimpíada de Matemática é de 10 medalhas de ouro, 10 medalhas de prata, 34 medalhas de bronze e 67 menções honrosas. No ano passado, os discípulos de Amaral amealharam 12 medalhas na Obmep, sendo quatro de ouro, três de prata e cinco de bronze, mais 12 menções honrosas. O resultado é superior ao que foi conseguido por 11 estados brasileiros.

Amaral tem 31 anos, é casado e pai de dois filhos gêmeos

Antônio Amaral veio ao mundo pelos braços de uma parteira, sua família vivia na roça e os pais eram analfabetos. ?Daí a principal situação desfavorável para eu estudar. Tive sorte quando meu pai conseguiu um trabalho na cidade, pois aí eu começava a ter oportunidades de estudar?, conta. Apenas aos sete anos de idade ele começou a frenquentar a escola pela primeira vez. O menino Amaral começou com desempenho regular e foi gradativamente melhorando até concluir com excelentes notas a 4ª série do ensino fundamental, o antigo 1º grau.

O desempenho lhe rendeu uma bolsa para a melhor escola de Cocal, onde concluiu o ensino fundamental, última etapa de ensino oferecido pela escola. A maioria dos alunos da escola migrava para outras cidades em busca de unidades escolares compatíveis para terminar o 1º grau com êxito sem sentir dificuldades de ingressar na universidade. ?Sem essas condições acabei voltando para a escola pública onde concluí o Ensino Médio?, lembra.

Amaral conta que teve muitas ajudas até conseguir, no ano de 2001, ingressar no curso de Licenciatura em Matemática no período de férias na Universidade Estadual do Piauí. ?Nessa época, estudar se tornava arriscado, já que a necessidade maior era um trabalho. Foi aí que tudo valeu a pena, porque as portas se abriram e logo consegui uma vaga no Estado e outra no município, justamente no lugar de onde saí aos sete anos de idade?, conta. O professor começou com turmas de alfabetização de crianças na rede municipal e com a disciplina de Matemática no Ensino Fundamental na rede estadual.

O professor começou com turmas de alfabetização de crianças na rede municipal

O sustento vinha do salário da prefeitura, R$ 230, porque os trâmites burocráticos do Estado faziam com que seus recém contratados demorassem cerca de seis meses para receber metade do atrasado. Com situação semelhante de emprego se encontrava a então professora Elizete Costa, namorada de Amaral há quatro anos. ?A primeira parcela dos nossos atrasados foi toda utilizada para a compra dos primeiros objeto de casa?, diz.

A partir daí começou um trabalho que exigiria bastante persistência para quebrar alguns paradigmas. Um costume de pouca valorização aos estudos ligado a um estilo de promoção que não priorizava tanto o aprendizado precisou ser enfrentado. ?Houve a necessidade de uma reflexão para se pensar se valeria a pena, pois as barreiras eram grandes?, conta. Foi assim até quando apareceram os primeiros resultados nas Olimpíadas de Matemática no ano de 2005. Os alunos conseguiram 17 premiações, entre medalhas de prata, bronze e menções honrosas. O resultado serviu como prova daquilo que estava sendo proposto pelo professor, revelando que havia sim a necessidade de investir seriamente em um trabalho mais duro pautado na valorização aos estudos.

Amaral segura alguns dos trófeus obtidos nas competições de matemática

?O apoio agora era maior, já se podia ver grupos de professores com objetivos semelhantes e a partir de então só comemoramos grandes conquistas?, completa. Há dez anos no magistério, hoje o professor ganha cerca de R$ 3 mil por mês pelas 60 horas/aula ministradas. A primeira medalha de ouro foi conquistada por Sandoel de Brito Vieira, da 7ª série da Escola Municipal Teotônio Ferreira Brandão.

Em julho, Dilma Roussef citou a experiência do professor no programa Café com a Presidenta. Milhares de piauienses votaram no professor na eleição de Amaral como Homem do Ano pela revista ALFA, através de uma mobilização nas redes sociais como Facebook e Twitter. A votação dos Homens do Ano ALFA ? Escolha do Leitor aconteceu entre os dias 27 de julho e 2 de setembro. A receita da vitória na eleição, para Amaral, está no patriotismo do piauiense. ?Para mim, esse prêmio foi valioso ao evidenciar a educação, para que ela receba os olhares de todos. Enquanto a educação não for importante, o país não será nada?.

Apesar do reconhecimento nacional, Amaral conta que pouca coisa mudou em sua rotina na cidade. Uma das novidades positivas trazidas pela repercussão do trabalho de Amaral, além dos elogios dos moradores de Cocal dos Alves, foi a possibilidade das escolas em que ele leciona participarem de dois programas do Governo Federal na área da Educação, o Mais Educação e o ProInfo, a convite do ministro da Educação, Fernando Haddad. ?Não tínhamos os requisitos e não podíamos participar antes?, pontua.

"Enquanto a educação não for importante, o país não será nada?, diz Amaral

O professor Amaral dá aulas de segunda a quinta-feira. Ele sai de casa às 7 h e só retorna às 22h da noite. São seis aulas de manhã, cinco no turno da tarde e quatro a noite, somando 15 aulas diárias. Todos os sábados, às vezes, no domingo, ele reúne os alunos para os preparativos das Olimpíadas de Matemática. Esses encontros em grupo, que são intensificados com a aproximação das Olimpíadas, são um dos segredos para os resultados obtidos pelos competidores de Cocal dos Alves. Os alunos que conseguem medalhas também conquistam uma bolsa no valor de R$ 100, o que é considerado de grande ajuda na pequena cidade localizada no Norte do Piauí.

Se ele mesmo é um exemplo de superação, as histórias dos alunos ensinados por Amaral não ficam atrás. ?Tive um aluno que parou de estudar mais de três anos quando cursava a quarta série, porque as outras séries não eram oferecidas no município. Ele tinha muitas habilidades em matemática, e eu o incentivei. O nome dele é Vitalino de Sousa Amaral. Ele passou no vestibular para Matemática na Universidade Federal do Piauí e conseguiu uma vaga no mestrado de Matemática. É uma promessa?, aposta.

Fotos: Efrém Ribeiro

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