Andreia Marreiro: É preciso “Esperançar”!

Além do trabalho acadêmico, Andreia mostra que os direitos humanos precisam ser colhidos na prática

Andreia Marreiro Barbosa | Leo Vilari
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Andreia Marreiro Barbosa nasceu em Teresina, no dia 28 de abril de 1987. É bacharela em direito pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi) com mestrado em direitos humanos pela UNB. Atualmente é coordenadora de uma pós graduação em direitos humanos por uma faculdade particular e atua como vice-presidenta do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Ao lado da professora Maria Sueli, recebeu menção honrosa no Prêmio Piauí de Inclusão Social (PPIS) representando a escrava Esperança Garcia, que será destaque na Mangueira no Carnaval do Rio de Janeiro.

Esperança foi uma escrava piauiense que fez a primeira petição que se tem notícia na história brasileira, sendo considerada a primeira advogada do Piauí e do Brasil.

Além do trabalho acadêmico, Andreia mostra que os direitos humanos precisam ser colhidos na prática. Da experiência através de um projeto de extensão universitário à busca acadêmica por conhecimentos que a colocassem no centro da pauta de direitos humanos, a advogada mostra um caminho de transformação social. Para Nossa Gente, Andreia fala da experiência pessoal com a área de direitos humanos e a busca de reconhecimento de crianças através da Campanha Esperançar, que leva a produção de escritores e artistas negros, sobretudo mulheres, para uma escola da zona Sul de Teresina.

Jornal Meio Norte: Você sempre teve senso de justiça? Desde criança?

Andreia Marreiro: Eu sempre tive indignação com as injustiças.

JMN: Isso te levou a escolher o direito?

AM: Eu gostava muito das disciplinas de história e literatura. Ao mesmo tempo, os escritores que eu admirava tinham formação jurídica. Em algum momento pairou na minha cabeça que o jurista tinha a potencialidade de contribuir para a transformação social, que foi o que mais me levou à área.

JMN: E como contribuir para a transformação social sendo jurista?

AM: Pois é! Quando eu entrei no curso de direito eu vi que não era tão simples. Muito pelo contrário. Deparei-me com um curso muito abstrato e indiferente às questões sociais. Eu vinha cheia de sonhos, ideias. Foi um baque. Mas eu e uns amigos nos envolvemos, em meio a uma precariedade e falta de estrutura, criando um projeto de extensão pautando a assistência jurídica popular. Foi Corpo de Assessoria Jurídica Estudantil (Coraje). Naquele momento estudamos o direito enquanto ciência. Queríamos entender aqui, pois tínhamos perguntas objetivos. Como um professor fala de direitos humanos e não nos preocupamos com as famílias que não tem onde morar? O senhor fala isso, mas e a realidade? Então diziam que uma coisa era na teoria e outra na prática. Como assim? Quando comecei a entender a complexidade disso foi quando li “Direito, Poder e Opressão”, de Roberto Aguiar, que ele diz que é preciso olhar para isso. Afinal, o jornalismo é diferente na teoria e ma prática? A medicina é diferente na teoria e na prática? As faculdades iam fechar se a teoria não importasse. O direito existe para manutenção de uma realidade de opressão. O direito, como aponta Foucault, é um sistema de controle social. No entanto, isso não acontece de forma homogênea. Além da dominação de poder, também há resistência. Então grupos podem usar o direito por grupos de resistência para reivindicar liberdade. Daí surge a questão do jurista poder se colocar como operador de um processo de transformação social de maiorias de injustiçados sociais que são silenciados por serem minorias políticas.

JMN: Você fala que as maiorias são minorias políticas. Como um advogado poderia resgatar a dignidade para maiorias?

AM: Essa é uma pergunta muito importante. Como eu, Andreia, posso me colocar? Reconhecendo meus privilégios, posso ser uma amplificadora de lutas. Eu não sofro LGBTfobia. Vivo uma vida heteronormativa. Mas me coloco como alguém que compartilha e ajuda a ecoar vozes dessas pessoas.

JMN: E como você escolheu o racismo como principal ponto de pauta? Como veio o contato com Esperança Garcia?

AM: No Coraje eu sabia que queria ser professora. Comecei a estudar direito da criança e do adolescente, depois fiz uma dissertação de mestrado baseada na obra de Roberto Aguiar. Então sempre parti dos direitos humanos. Como Esperança Garcia chegou nesta história? Quando cheguei em Teresina, assumi a coordenação de pesquisa e pós- graduação de uma faculdade particular. Lá comecei a realizar um trabalho até que desenvolvi uma pós-graduação em direitos humanos. Ela surgiu de um sonho. Estudei Paulo Freire, Roberto Aguiar e na potência da educação como transformadora do sujeito e do mundo, então olhei do fundo do coração a pós dos sonhos. Para isso, pensei em criar um nome. Pois direitos humanos cabe muito coisa na embalagem. Afinal, na época que os EUA invadiu o Iraque eles alegaram defender direitos humanos, matando várias pessoas. Eu precisava dizer de que direitos humanos eu estava falando. Então conheci a história de Esperança Garcia, aos 22 anos, terminando o curso. Fiquei com vontade de contar essa história, que termina sendo nossa história. Além disso, escolhi apenas professoras mulheres, com qualificação e entendimento que direitos humanos é uma forma de vida. Fui costurando o corpo docente a partir de afetos. Lançamos com este nome, então encomendei uma imagem, que foi a primeira, uma artista venezuelana chamada Valentina Fraiz. Escrevi um e-mail pedindo algo com um olhar triste, mas altivo.

JMN: E o processo de produção do Dossiê de Esperança Garcia?

AM: Fomos convidados pela OAB para compor a comissão da verdade da escravidão negra, isso em 2016. Lá, no primeiro dia, sugeri que estudássemos Esperança. Levando em conta o direito de contar nossa própria história. Daí surgiu o dossiê, que virou livro. Foi um trabalho de pesquisa com historiadores. A partir do dossiê, Esperança foi considerada a primeira advogada do Piauí [nota do editor: a carta de Esperança Garcia é considerada a primeira petição escrita por uma mulher no Brasil]. Isso repercutiu de um jeito que ela recebeu menção honrosa no Prêmio Piauí de Inclusão Social. Agora será homenageada na Mangueira! Essa inspiração, essa potência que nos encoraja a assumir o protagonismo da nossa própria história.

JMN: E a Campanha Esperançar?

AM: A Campanha Esperançar pensa ações que fazem as pessoas buscarem vozes diversas. Ler autoras negras. Ouvir mulheres negras. A infância é um período de reconhecimento de si como sujeito. Se você tem a possibilidade de ver essa diversidade na infância isso é muito positivo. Iniciamos a campanha na Escola RN, na Vila Irmã Dulce, zona Sul de Teresina. (Por Lucrécio Arrais / Para o +mais)

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