O que a grande filósofa feminista Simone de Beauvoir escreveu no livro “O Segundo Sexo” aborda muito bem a realidade que atravessa décadas e leis. Em partes, conta que admitir a existência de qualidades e valores que “definem” uma mulher é admitir uma natureza muitas vezes consolidada na sociedade, de aderir a um mito inventado pelos homens para prendê-las na condição de oprimidas.
Sentimento de posse, ciúme e a visão objetificada são resultados desse panorama sobre uma mulher e faz cada vez mais vítimas de feminicídio no Piauí, apontando para um quadro alarmante em todo o país.
O caso do empresário Pablo Henrique Campos Santos, que atropelou a namorada, Anuxa Kelly Leite de Alencar, que ficou internada em estado grave, e a amiga, Vanessa Maria Miranda Chaves, que faleceu após o impacto, somam nas estatísticas e vão de encontro ao machismo e a misoginia que mata e violenta.
Dados levantados pela Delegacia de Proteção dos Direitos da Mulher (DEAM) Norte, Sudeste, Sul e Centro informam que a denúncia por ameaça lidera com 1.636, seguido por injúria com 1.517 e lesão corporal com 594 denúncias.
Esses casos não são os únicos motivos de denúncias, mas representam os três primeiros com maiores números que evidenciam que as mulheres ainda são, muitas vezes, submetidas a relacionamentos abusivos, à violência doméstica e a tratamentos degradantes e desumanos.
Além disso, em muitos casos, as três agressões são praticadas pela mesma pessoa. “Analisar quais são as políticas mais eficientes para enfrentar é necessário, como também abordar a ameaça, a maior prática que muitas vezes é naturalizada por um familiar ou pessoa próxima”, relata a delegada Anamelka Cadena.
Instigar uma mulher para que ela realize denúncias e estabelecer o imediatismo nas condições de procedibilidade, constituem uma ajuda. “É preciso que a mulher queira representar criminalmente quanto ao agressor para prosperar o procedimento. O que visualizamos? Sendo a maior prática, é preciso que a gente consiga enfrentar algo que muitas vezes deixa marcas e inclusive alcança as pessoas naquele entorno para que elas também denunciem”, falou a delegada.
Registro de denúncia e educação são armas contra a violência
Acionar o aplicativo Salve Maria, que apresenta um protocolo sigiloso de informação, é uma peça-chave para a mobilização e conscientização, que faz com que qualquer pessoa que conviva com a vítima identifique esses sinais. Além da denúncia, a educação é um acréscimo nas lutas, principalmente com a identificação de um relacionamento abusivo.
“A ameaça está muito próxima dos relacionamentos abusivos. Aquelas práticas reiteradas de impedir a mulher de se autodeterminar, impedi-la de realizar suas escolhas, de definir e decidir sobre a sua vida. Muitas vezes em descumprimentos daquelas ‘regras’, estabelecidas dentro dos relacionamentos, existe uma promessa de fazer o mal”, disse Cadena.
Xingamentos evoluem para lesões corporais e podem alcançar o feminicídio. “A preocupação não só na questão educacional de mobilização de pessoas, mas também na desconstrução de conceitos de naturalizar o relacionamento abusivo, identificar as sinalizações desse relacionamento para evitar a reiteração”, falou Anamelka Cadena.
Trabalhar a desconstrução do machismo, sexismo, patriarcalismo, através de ações educacionais, que vão muito além das ações repressivas da polícia, é muito importante para que as próximas gerações não naturalizem a conduta e nem pratiquem atos contra uma mulher, defende a delegada.
Anamelka Cadena informa que a prática de feminicídio no Piauí tem uma performance que se desenvolve no âmbito da violência doméstica ou familiar. “São práticas reiteradas que, muitas vezes, terminam com a morte de uma mulher, com todos sabendo dos acontecimentos que antecederam, esperando apenas o protagonismo dela”, falou. (A.S.)