Advogado detalha como 'comprou' lei de inspeção veicular no Rio Grande do Norte

George Olímpio firmou delação premiada com o MP do Rio Grande do Norte

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Em um depoimento que durou três horas e meia, o advogado George Olímpio detalhou os supostos esquemas de corrupção que aconteciam no governo do Rio Grande do Norte, envolvendo o Detran. O Ministério Público potiguar investiga o caso desde 2010 e em 2011 deflagrou a operação Sinal Fechado. Na última sexta-feira (20), veio à tona a delação premiada de George Olímpio, considerado um dos mentores do esquema, e que resultou na denúncia do atual presidente da Assembleia Legislativa do RN, Ezequiel Ferreira de Souza, por corrupção passiva.


O depoimento foi dado a promotores públicos no dia 19 de agosto de 2014 e registrado em vídeo. O rosto do advogado não aparece nas imagens a pedido dele. O acordo com o MP previa a gravação do depoimento com duas câmeras, uma sem captação da face, e outra com captação da face. Somente as imagens da primeira poderiam ser juntadas ao processo, da segunda seriam usadas apenas para dirimir dúvidas quanto a autenticidade da primeira.

A operação Sinal Fechado investigou dois esquemas de fraude envolvendo o Detran do RN. O primeiro diz respeito à celebração de convênio fraudulento entre o Detran e o Instituto de Registradores de Títulos e Documentos de Pessoa Jurídica do Rio Grande do Norte com criação da obrigação de registro em  cartório de contratos de financiamento de veículos com cláusula de garantia real. O segundo se refere à concessão do serviço de inspeção veicular no estado.


A instalação do serviço de inspeção veicular no RN, segundo o advogado George Olímpio em depoimento, começou a ser conversado com Joca Ferreira, filho do então vice-governador do estado, Iberê Ferreira de Souza, em 2009. Após uma consultoria técnica com empresas de São Paulo que já atuavam no ramo, elaborou-se um projeto de lei que foi entregue ao Detran e de lá, encaminhado para o Governo do Estado.

A então governadora Wilma de Faria (PSB) encaminhou o projeto para votação na Assembleia Legislativa. "Quando esse projeto vai para a AL existia um problema político na época porque Wilma era governadora e Robinson Faria (PSD) era presidente da AL e eles romperam porque Wilma preteriu Robinson e escolheu Iberê para ser candidato ao governo. Então Robinson não ia tramitar essa lei. Esse travamento foi detectado em conversas. Aí eu fui conversar com Iberê e Joca e Iberê disse 'olha, a pessoa que tem uma boa interlocução com Robinson, porque são amigos, viajam juntos, é Ezequiel (deputado estadual).' Mas eu não o conhecia. Nunca estive com Ezequiel. E aí Joca diz 'eu vou com você e apresentar Ezequiel e ver como ele pode nos ajudar'. Joca me leva a Ezequiel. Eu apresento o projeto, como tinha sido, o que era necessário, e ele disse que tinha interesse em ajudar, mas quem podia resolver rapidamente era o presidente de AL porque só ele teria o poder de dispensar a tramitação da lei".

Nesse trecho do depoimento, Olímpio revela que o deputado Ezequiel Ferreira de Souza traz uma proposta de receber R$ 500 mil para conseguir a aprovação da lei. O valor é negociado entre os dois e chega a R$ 300 mil. "Eu disse que daria R$ 150 mil quando a lei fosse aprovada, e os outros R$ 150 mil divididos em três meses: janeiro, fevereiro e março. No outro dia ele ligou e disse que estava fechado".

A lei foi votada com dispensa de tramitação e aprovada na Assembleia Legislativa em dezembro de 2009. "A partir de janeiro começam as tratativas pra ver com quanto cada um ia ficar. Ficou acertado 10% pra Iberê e Joca, 5% pra Lauro [Maia, filho da ex-governadora Wilma de Faria] e Wilma, e mais R$ 1 milhão para a campanha de Iberê, que a candidatura ainda nem estava homologada".

De acordo com Olímpio, o empresário Edson Mou o procurou para dizer que queria entrar no negócio da inspeção veicular. "Ele disse que queria entrar, que era um sonho dele porque ele já tinha uma empresa de mudança de característica de veículo, de gasolina para gás natural. Eu disse que tinha um valor pra ele entrar. Que seria de R$ 2 milhões".
Edson Mou entrou no negócio e, de acordo com George, parte do dinheiro dele foi usado para pagar Iberê. "O dinheiro foi fracionado já perto da campanha. Sempre pago em espécie", disse.

Em 2010 acontece a licitação para determinar a empresa que seria responsável pela prestação do serviço de inspeção veicular. O Consórcio Inspar, formado pelas empresas Neel Brasil e Tecnologia, Go Desenvolvimento de Negócios, e Inspetrans venceu a licitação. O advogado George Olímpio é proprietário da Go Desenvolvimento de Negócios e explicou que o edital de licitação foi elaborado pelo próprio Consórcio Inspar direcionado para o consórcio vencer.



"Uma das especificações para garantir a vitória na licitação era que a empresa que prestaria o serviço precisava ter um centro com no máximo 50 quilômetros de distância do local de propriedade do veículo. Na proposta técnica tinha que haver isso. Então seriam centros em todo o estado e era preciso apresentar os endereços e contratos de aluguéis ou propriedade dos locais onde funcionariam os centros. Para incluir isso em 45 dias a empresa tinha que ter gente no estado todo com contrato de aluguel de terrenos e a gente já tinha", explicou.

O serviço de inspeção veicular iria começar 10 de janeiro de 2011, mas foi suspenso por determinação da então governadora Rosalba Ciarlini no dia 8 de janeiro. O contrato com o Consórcio Inspar foi cancelado, o processo que implantaria a inspeção veicular no Rio Grande do Norte, anulado, e o serviço nunca foi implantado no estado.

Fraude em taxas cartoriais

O primeiro esquema começou a ser implantado no RN em 2008 quando é criado Instituto de Registradores de Títulos e Documentos de Pessoa Jurídica do Rio Grande do Norte que passaria a ser responsável pelo registro de contratos de financiamento de veículos no estado. O instituto foi criado e firmou um convênio com o Detran/RN, de acordo com George Olímpio, após uma tratativa do advogado com Lauro Maia.

"Nessa conversa com Lauro ficou definido que teria um pagamento de R$ 15 por contrato para o governo, era como se fosse uma sociedade. (...) Quando se diz pro governo, o governo é composto pela mandatária que é a governadora. (...) Eu nunca entreguei dinheiro à Wilma, entreguei a Lauro. Essa distribuição é importante porque tinha R$ 15 que no discurso dele era pro governo e R$ 3 para Lauro. Mas eu não sei como isso era dividido. (...) O pagamento era feito mês a mês", disse o advogado, em depoimento.

"Os pagamentos eram feitos em espécie mensalmente. Em 2008, 2009 e até o final de 2010 foi feito desta forma", afirmou George Olímpio.

Segundo ele, eram firmados, em média, 5 mil contratos por mês de financiamento de veículos no estado. Isso significa dizer que eram pagos "ao governo" R$ 75 mil por mês de propina.
No depoimento, Olímpio disse que depois de implantado o esquema, o então diretor-geral do Detran, Carlos Theodorico, chamou o advogado para conversar e pediu para também receber "uma ajuda". "Ele disse que era ele quem estava com o braço na seringa e pediu uma contribuição. Não estava previsto, mas para manter o bom relacionamento com todos nós acertamos dar R$ 2 por contrato a ele".

De acordo com George Olímpio, o dinheiro entrava para a empresa e saía como distribuição de lucros. "Os pagamentos eram feitos em espécie mensalmente. Em 2008, 2009 e até o final de 2010 foi feito desta forma".

Segundo ele, em agosto de 2008 a Câmara Federal aprovou uma medida provisória que proibia convênios entre Detran e institutos de cartório para receber registro de contratos. O projeto seguiu para o Senado. Para tentar convencer os senadores a não aprovarem a medida provisória, George Olímpio recorreu ao suplente de senador João Faustino. "Ele me levou a quase todos os senadores para argumentarmos, mas os senadores aprovaram a lei. A Febraban também fazia lobby", diz.

A partir de dezembro de 2008, segundo George Olímpio, o advogado começa a pagar R$ 10 mil por mês para João Faustino ser o representante dele com pessoas que ele não teria acesso. "Era uma assessoria parlamentar, como ele mesmo dizia. O dinheiro era pago mensalmente. Entregue a ele (João Faustino)". Vários estados, inclusive o RN, conseguiram liminar para dar continuidade ao serviço pelos institutos. "Durante todo o ano de 2009 e maior parte de 2010 esse processo ficou parado e o serviço funcionava normalmente sob efeito de liminar".


No final de 2010, por fim, sai a sentença que não confirmou a liminar e proibiu a realização de convênios entre o Detran e Institutos para este fim. "Nós sentamos para reavaliar e decidimos que era temeroso brigar na Justiça e tentar continuar", diz Olímpio.

A assessoria de imprensa do Detran/RN informou que a taxa de registro de contratos de financiamento de veículos não é mais cobrada pelo órgão.

Notas

Em nota, Wilma Faria diz que considera qualquer citação ao seu nome nesse contexto como ilação caluniosa, injusta, desrespeitosa e antidemocrática. O filho dela, Lauro Maia, disse que desconhece o conteúdo da delação de George Olímpio e, mesmo assim, repudia qualquer afirmação de que teria participado em esquema criminoso.

O deputado estadual Ezequiel Ferreira de Souza diz que não recebeu a notificação oficial da denúncia oferecida pelo Ministério Público e que no momento oportuno provará a inconsistência do processo.
Em nota, a família de Iberê Ferreira disse que o ex-governador, antes de falecer, negou as acusações feitas contra ele. Já o filho do ex-governador, Joca Ferreira, afirma que jamais apresentou George Olímpio ao deputado estadual Ezequiel Ferreira de Souza e diz ser improcedente as acusações contra ele.

Mesmo com a delação premiada, George Olímpio é réu no processo. E aguarda o julgamento em liberdade.

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