O sargento reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, preso na manhã desta terça-feira acusado de ser pela polícia de ser o responsável pelos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, frequentava uma mansão de luxo no condomínio Portogalo, em Angra dos Reis, na Costa Verde. O local ficou famoso na década de 1990, quando o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna comprou uma casa lá. A mansão, que tem uma lancha em seu interior, foi rastreada por agentes da Delegacia de Homicídios e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP do Rio durante a investigação. Segundo uma folha de pagamento da PM, de meados de 2017, o sargento ganha, de aposentadoria, R$ 7.172,09 por mês.
Os agentes se surpreenderam com a quantidade de bens do policial. Lessa foi preso em sua casa no condomínio Vivendas da Barra, na Avenida Lúcio Costa, 3.100, Barra da Tijuca. O local, por coincidência, o mesmo onde o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), mora. O condomínio fica de frente para o mar, com seguranças na portaria. No local, os agentes apreenderam o carro de Lessa, um Infiniti FX35 V6 AWD blindado. O modelo custa em média R$ 120 mil. Os agentes também descobriram que o policial viajava com frequência para o exterior.
Segundo a promotora Simone Sibílio, coordenadora do Gaeco, Lessa e Élcio de Queiroz, o outro preso pelo crime, estiveram na casa em Angra durante o carnaval.
— Enquanto nós estávamos trabalhando no caso durante o carnaval, os dois estavam em Angra, se divertindo com uma lancha — afirmou a promotora.
Lessa é um "caveira" — como são conhecidos os agentes que tem o curso de Operações Especiais. Ele foi promovido, na década de 1990, por ato de bravura na PM. Por isso, teve o salário aumentado, à época, em 40% por ser um dos agentes agraciados com a premiação por pecúnia. A gratificação foi criada em 1995, durante o governo Marcello Alencar, para premiar quem participava de grandes operações. Ela acabou após três anos de polêmica, já que o número de homicídios subiu no estado, o que fez o bônus ser apelidado de "gratificação faroeste".
Ninguém jamais havia investigado Ronnie Lessa. Embora os corredores das delegacias conhecessem a fama do sargento reformado, de 48 anos, associada a crimes de mando pela eficiência no gatilho e pela frieza na ação, Lessa era até a operação desta quarta-feira um ficha limpa. Egresso dos quadros do Exército, foi incorporado à Polícia Militar do Rio em 1992, atuando principalmente no 9º BPM (Rocha Miranda), até virar adido da Polícia Civil, trabalhando na extinta Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE), com a mesma função da atual Desarme, na Delegacia de Repressão à Roubo de Cargas (DRFC) e na extinta Divisão de Capturas da Polinter Sul. A experiência como adido foi o motor da carreira mercenária de Lessa.
Também foi preso o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz por envolvimento no crime. Segundo a denúncia do MP do Rio, Lessa teria atirado nas vítimas, e Elcio era quem dirigia o Cobalt prata usado na emboscada. Elcio de Queiroz foi expulso da corporação.
Arregimentado por contraventor
Lessa, como outros adidos, conhecia mais das ruas do que qualquer policial civil. Logo, destacou-se e ganhou respeito pela agilidade e pela coragem na solução dos casos. Esta fama, segundo os bastidores da polícia, chegou aos ouvidos do contraventor Rogério Andrade, na época cada vez mais ocupado em fortalecer o seu exército numa sangrenta disputa territorial com o também contraventor Fernando Iggnácio de Miranda. Em jogo, o legado do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997.
Chama atenção que o método de detonação da bomba usada no atentado que matou o filho do contraventor, segundo peritos da época, foi o mesmo usado no atentado ao sargento da PM, em 2 de outubro de 2009. Na ocasião, o sargento perdeu a perna. Um laudo do Esquadrão Antibombas da Polícia Civil revelou que para explodir o Toyota Corolla blindado de Andrade foi usado um dispositivo acionado à distância por meio de um telefone celular.
Com a sua reforma por invalidez, Lessa acabou deixando de ser adido, mas ainda frequentava as delegacias da Polícia Civil, principalmente a antiga Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE). Até que, em 2011, ciente da migração dos adidos para as fileiras do crime, a Secretaria de Segurança do Estado vetou para sempre a cessão de quadros da PM para a Polícia Civil e acabou com a DRAE. A medida foi resultado da Operação Guilhotina da Polícia Federal, que investigou a corrupção policial envolvendo policiais civis e os adidos, além de integrantes da cúpula da instituição.
Num cenário em que o dinheiro da corrupção garantia a impunidade destes mercenários, Lessa nem sequer se dava ao trabalho de agir às sombras. Para agenciá-lo, bastava dar uma passada no bar onde o ex-adido fazia ponto no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.
Uma opinião unânime assombra os que conheceram Lessa pessoalmente. Há quem diga que ele é capaz de tudo para cumprir as empreitadas criminosas, sem medir as consequências. Hábil no manejo principalmente de fuzis, é conhecido por gostar de atirar sentado, embora uma prótese moderna disfarce bem o problema físico quando em pé. Jamais volta para a base sem ter cumprido o que fora acertado com o contratante.