As diversidades e a defesa de uma sociedade igualitária e que respeite as diferenças estimulam a reflexão sobre a invisibilidade de transexuais e travestis. Quantas vezes os vemos nas ruas durante o dia? Que efeito causa a imagem delas? Em quantas ocasiões compartilhamos as mesmas salas de aula ou a vimos transitar os corredores das universidades e faculdades?
A exclusão de transexuais e travestis acaba levando-os aos guetos, às condições ínfimas e distantes dos direitos mais fundamentais. O pesquisador Lourival Ferreira de Carvalho Neto, durante a pesquisa sobre acesso de transexuais à educação, constatou que a maioria é levada a desempenhar trabalhos relacionados à beleza ou ao sexo.
Fábia Dourado é um desses exemplos. Ela abandonou muito cedo a escola, aos 17 anos, ainda na sétima série. ?Quando a gente descobre nossa sexualidade, a primeira coisa que acontece é se afastar dos estudos, porque existe muito preconceito?, diz Fábia, para quem a vida reservou um destino diferente da maioria das pessoas em sua condição. Hoje ela é uma renomada dona de salão de beleza, e conseguiu terminar seu curso de Ciências Contábeis em uma faculdade particular.
Para Lourival Carvalho, as pessoas acabam sendo excluídas de todo processo social. ?Não se vê travestis, por exemplo, frequentando regularmente hospitais públicos ou privados, instituições de ensino básico e superior, nem inseridos no mercado de trabalho formal.
A dificuldade de acesso à educação aparece justamente quando assumem o seu gênero. Isto é, quando elas ?invertem? o papel que a sociedade carimbou a partir da sua genitália de nascimento?, afirma.
Para Carvalho, é preciso compreender também a conjuntura social em que vivemos. ?O processo educativo envolve, sobretudo, a construção humana de valores dentro da sociedade e da formação ideológica dos sujeitos que a constroem.
Há, nesse campo, uma disputa política e social do que se almeja dela?, diz alertando para o fato de que as exclusões de trans e travestis também tem a ver com o poder ideológico das classes sociais.
Transexuais são obrigadas a mudar para conquistar respeito
Formalmente, a educação é um direito de todos, mas muitas pessoas não vivem isso na prática. Para Lourival, é preciso garantir, para além das leis, políticas públicas efetivas que assegurem o acesso e a permanência das pessoas transexuais nos espaços escolares, acadêmicos etc.
Segundo Olga, integrante do GPTRANS (Grupo Piauiense de Trans), é importante a auto-organização política do segmento. ?Quero debater sobre a discriminação. Na universidade, vamos nos tornar pessoas dignas, pois iremos construir a nossa formação e, assim, levar a nossa discussão para esse espaço.
É preciso dialogar sobre isso com as pessoas lá dentro. Mesmo que tenham sofrido algum tipo de discriminação, as meninas sofrem caladas?, diz. Outras são as dificuldades que o pesquisador encontrou durante a produção de seu trabalho.
Lourival conta que, em entrevista, uma das trans revelou que ao adentrar o espaço da universidade, teve que modificar seu jeito de vestir e andar para obter respeito.
Mercado de trabalho é excludente
Marcela é arquiteta formada, mas ao sair da universidade encontrou dificuldades de se localizar em um mundo do trabalho excludente. ?O principal desafio foi o de conseguir efetivamente um emprego. Participei de várias entrevistas em lojas de móveis planejados e decoração.
Ao me verem como uma transexual, eu sempre ouvia que tinha um bom currículo, mas nunca recebia uma resposta positiva. Hoje eu trabalho na área por conta própria, principalmente com reformas para pessoas conhecidas.
A frequência desses trabalhos é pequena, mas já ajuda?, diz a arquiteta, que apesar de muito talento, cobra preços abaixo do mercado e precisa realizar outros trabalhos para complementar a renda.
O pesquisador Lourival Carvalho lembra que a negação ao direito do trabalho salienta uma questão vivida por muitas travestis e transexuais, os quais permanecem estigmatizados culturalmente e relacionados à prostituição.
?Historicamente, os discursos de cunho religioso e médico, no sentido de tornar esta orientação como doença, são potencializados no sistema capitalista, reforçando a heterossexualidade como condição histórica para a continuidade da humanidade?, diz Carvalho.
Lourival completa, ao dizer que a classe de origem dessas pessoas, isto é, o poder econômico, é determinante para saber como elas vão se localizar no futuro.
Segundo ele, se optarem por entrar numa universidade pública, por exemplo, além de se debaterem com o número ínfimo de vagas, terão de superar as dificuldades que as afastaram desde o ensino básico e, quando passarem por tudo isso, ainda terão os desafios de permanência nesse espaço, como o respeito ao nome social, dentre outros.
?Por isso, a luta pela democratização da educação é maior e não deve ficar limitada a apenas uma experiência bem-sucedida de um ou outro indivíduo. É preciso que a luta seja maior e coletiva?, conclui.
É válido lembrar que estas pessoas estão sujeitas não apenas ao preconceito, mas à violência física. Conforme o relatório do primeiro semestre de 2012, estima-se que, a cada 26 horas, é cometido, com requintes de crueldade, um homicídio de LGBT no país.
Em relação ao primeiro semestre de 2011, houve um crescimento de 28% de homicídios fundados em homofobia. De janeiro a julho de 2012, foram praticados 165 homicídios, dos quais 65 eram transexuais