Percebendo o talento de diversos jovens da periferia e a vontade em mudar a realidade que os cerca, o professor João Victor Araújo, da Unidade Escolar Nossa Senhora da Paz, resolveu incentivar e apoiar os alunos no desenvolvimento da arte de escrever.
Os livros eram percebidos como uma forma de adquirir conhecimentos e ao mesmo tempo transmitir as percepções em torno da sociedade, desse modo aproximá-los dos estudantes tornou-se um objetivo de vida, sendo majorado através da criação da Academia de Letras Juvenil Nossa Senhora da Paz, a Alenjusp, no ano de 2010. A ação foi pioneira no Estado e hoje, com quatro anos de existência, colhe os frutos da confiança nas novas descobertas da literatura piauiense.
Abrangendo escritores na faixa etária de 16 a 19 anos da Vila da Paz e comunidades vizinhas, a iniciativa desperta o interesse dos alunos da instituição dia após dia, apontando para uma seleção criteriosa e disputada.
"Nós baixamos o edital de convocação, realizamos uma redação dissertativa, escolhemos os participantes e marcamos a data da posse", destaca Araújo.
As reuniões do grupo composto por 25 jovens ocorre duas vezes por semana, na ocasião são debatidos diversos temas, ao mesmo tempo que são procuradas formas de aperfeiçoar as técnicas.
Os próprios estudantes são peças primordiais na construção de qualquer atividade da Alenjusp, afinal todo o processo funciona como qualquer outra academia de letras tradicional.
A cultura local é fomentada em todos os trabalhos, demandando uma maior valorização às nossas raízes e tradições. Este ideal é fincado nos membros, abarcando uma visão real e irrestrita da sociedade.
Os temas dos livros e poesias construídos desde o surgimento do projeto vão desde política até mesmo às mazelas sociais; essa gama de fatores ajuda a retratar fielmente o cenário vivido pelos autores, sem máscaras ou intervenções.
Na sala em que funciona a Academia é propagado o lema: "Queremos homens que escrevam e que fiquem escritos em nossas mentes". Essa é a força que move a escola e faz com que a iniciativa se mantenha viva, superando os muros da instituição, indo além e atingindo a região por completo.
"É algo muito benéfico, tira os jovens dos traficantes e os traz para a leitura", revela o professor. As vagas limitadas para a Alenjusp funcionam como um estopim que possibilita mais dedicação e comprometimento. "O nosso objetivo é atingir mais pessoas, para que os nossos textos fiquem conhecidos e que todos se envolvam mais com o que fazemos", destaca a estudante Jana Souza, de 17 anos.
A ligação dos membros que saem com os que ocupam as cadeiras atualmente também é muito interessante, eles se dirigem para o ensino superior, mas não abandonam as raízes. "Cada aluno tem um patrono", afirma Araújo.
A liberdade para produzir o gênero a qual se adapta melhor, tal como a expressão de sentimentos é uma garantia dada pela Alenjusp, tanto que há obras separadas e outras que foram reunidas, como forma de facilitar a batalha pela publicação.
Dessa forma, até mesmo os membros que não se sentem confortáveis com textos extensos tem a possibilidade de verem seus trabalhos impressos. Nesse sentido, uma das primeiras obras da Alenjusp é o compilado de poemas 'Antologia Poética', que conta com a participação de dezenas de alunos.
Com cerca de 260 páginas, o livro já está produzido, apenas esbarra na falta de incentivos para que possa ser publicado, contudo, a luta já dura meses, mas a desistência não é sequer pensada.
O sonho em conquistar o reconhecimento pelo talento habita os 25 jovens escritores da academia, é onde eles depositam as esperanças em um mundo melhor, em uma sociedade mais justa, em um futuro promissor.
O carinho em cada linha é resultado da dedicação e do esforço diário, a academia e a convivência com pessoas que estão na mesma sintonia fazem tudo se tornar possível.
Abrindo novas expectativas
Engana-se quem imagina que todos os componentes da Alenjusp já tinham um interesse anterior pela leitura, alguns não eram tão próximos do projeto, mas foram contagiados pelos resultados brilhantes e a percepção da melhoria acadêmica entre os participantes.
“Fui convidada a fazer uma prova, eu não era muito chegada em escrever, mas me interessei pouco a pouco e já escrevo algumas poesias”, conta a estudante Jakeline Oliveira, de 17 anos. Ela ainda revela seus planos.
“Meu objetivo é ser reconhecida pelo que eu faço, alcançar o topo. Minha família me incentiva muito, ainda mais quando envolve a leitura”, declara.
Exemplos de transformação não faltam nos corredores da Unidade Escolar Nossa Senhora da Paz, a instituição que é fruto da obra do padre Pedro Balzi já obtinha grande destaque na inclusão social dos jovens da periferia da capital e com a Academia Juvenil esse trabalho é reverberado ainda com maior veemência.
“Faz muito tempo que faço uns trabalhos, mas não havia despertado. Muitas vezes escrevia só para expressar mesmo meus sentimentos e depois jogava fora ou não havia continuidade.
O livro é um meio de informação importante, transmitimos nossa visão do mundo através dele. O primeiro livro terminei há pouco tempo”, destaca a jovem de 17 anos, Jana Souza.
Idealizador da Alenjusp, o professor de Letras, João Victor Araújo, destaca a importância da iniciativa na comunidade. “Traz para dentro das escolas os jovens, veio para marcar e mudou a realidade da região, que antes era dominada pelo crime”, opina.
O docente também aponta para a sensação de dever cumprido possibilitada pela atividade pioneira. “É muito gratificante, batalho sempre pela Academia, eu próprio digito, formato o livro”, insere.
A relação próxima entre os livros e os problemas vistos na sociedade é refletida no desenvolvimento dos textos. “Eu sempre me senti mais confortável em escrever sobre a situação política do país e a realidade que nos cerca”, revela o presidente da Academia Juvenil, Jefferson Alves. Com 16 anos, o aluno destrincha o papel do projeto.
“Ajuda no sentido de que a pessoa sabe se precisar de algum conselho, apoio, ela terá”, limita. Esse apoio se reflete, inclusive, na melhoria das notas. “A gente percebe um aluno antes da academia e depois da academia, eles estão inclusive tendo um desempeno melhor na escola”, finaliza Araújo.
Falta de incentivo ainda é uma dificuldade
Apesar do reconhecimento envolvendo a validade nas atividades desenvolvidas pela Alenjusp, os esforços ainda esbarram na falta de incentivos, principalmente no que diz respeita à publicação.
A Academia Piauiense de Letras (APL) é uma parceira fiel, mas existem outros pontos que vão além e precisam de fomento, ou por patrocínios ou por ação do poder público.
"Boa parte do trabalho envolvendo o nosso livro 'Antologia Poética' só foi possível pela ajuda da APL, mas necessitamos de incentivo dos demais órgãos", garante o professor Araújo.
Desse modo, já está pronto há meses o protótipo da obra, contudo não há verbas suficientes para finalizá-lo. Esses empecilhos acabam pedindo a tomada de decisões corajosas e ousadas. "Eu produzi uma máquina caseira para confeccionar p livro, mas não é o ideal", revela.
A determinação do docente não parou por aí. "Peguei alguns tutoriais de diagramação, estudei, me dediquei, eu mesmo fiz a capa do livro, a única coisa que não consegui foi fazê-la dura", lamenta.
Enquanto esses problemas teimam em aparecer pelo caminho, os jovens escritores não deixam de produzir, são tantos talentos que fica complicado especificar apenas um, todos têm potenciais e é essa crença que alavanca a Alenjusp, traz destaque e torna as cadeiras ano após ano disputadas.
O sonho parece palpável e não custa nada embarcar nele, afinal a chance de dar certo é infinita. "Aqui nós temos opções, eu tenho gostado muito de estar neste grupo e espero que possamos conquistar nossos objetivos, afinal queremos conquistar novos horizontes, novos caminhos", finaliza o estudante de 16 anos, Natanael Kennedy.
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