Criar filhos nunca foi tarefa fácil, mas na pandemia essa função ganhou novos contornos. Sem rotas alternativas, sem rede de apoio, sem escola, sem amigos e tendo como único cenário possível, a casa, as relações familiares atravessam um momento particularmente triste, onde de um lado temos adultos tomados pelas incertezas e um extremo cansaço, e do outro, temos crianças tomadas pelas ausências que são sentidas com todo corpo.
Assim como em 2020, esse ano, o Dia das Mães será diferente. Não só pelas circunstâncias em que o mundo se encontra, mas pela mudança de comportamento repentina. A enfermeira Mayla Muniz, de 32 anos, moradora de Teresina, divide seu tempo entre o trabalho e cuidados dos filhos João Guilherme, de 6 anos e Arthur, com 2 anos. Em meio à pandemia, Mayla precisou mudar a rotina para cuidar de si e de seus familiares e, com isso, as funções aumentaram. Além de trabalhar, a profissional de saúde se viu também na função de cuidar da casa, do marido e de educar seus filhos de forma mais aproximada.
“Essa pandemia já vem se estendendo bem mais de um ano e assim que chegou a notícia em Teresina dia 19 de março era tudo muito novo e desde esse já não enviei mais meu filho mais velho para escola. O meu caçula ia fazer um ano, dia 24 de março, e tivemos que cancelar tudo, ficamos naquele período de medo, comecei a trabalhar em regime de plantão e todos aqueles cuidados que a gente conhece sendo tomados, eles passaram a não ter mais contatos com ninguém. Já não tinham mais crianças para brincar, então para distraí-los, comemoramos aniversários em casa, somente nós, passamos a inventar brincadeiras e atividades”, declarou.
Por conta da pandemia, as crianças ficaram sem poder ir às escolas, creches, casas dos avós. A maternidade agora precisou ser exercida 24 horas por dia e nem sempre as tarefas podem ser divididas com alguém. Lavar, passar, cozinhar, cuidar, brincar, distrair, ensinar, preocupar e não surtar.
E, na maioria das vezes, as atividades são feitas todas ao mesmo tempo. “A nossa rotina mudou completamente, eu chego do trabalho vou fazer toda aquela higiene, eles ficam me aguardando para fazermos as tarefas, depois vamos para o parquinho do condomínio com horário agendado para eles gastarem energia e sempre usando máscara, álcool em gel e assim tem funcionado durante esse período”, disse.
Mayla conta que já recebeu as duas doses da vacina contra a covid-19, mas lembra que mesmo vacinada pode adquirir a doença, então, precisa continuar se prevenindo. Além disso, as crianças ainda não podem se vacinar e podem vir a se infectar, por conta disso, os cuidados permanecem.
“Não estamos completamente isolados, porque estou trabalhando, tenho contato com as pessoas do trabalho. O que faço hoje é tentar minimizar para eles os possíveis riscos. Nós não visitamos ninguém, temos contato apenas com as pessoas que já tínhamos desde o início da pandemia e que também não estão saindo de casa. Até a minha mãe, eu só vim ter contato agora depois dela ter recebido as duas doses da vacina e é assim que nós temos passado por esse momento difícil. Da nossa casa ninguém foi infectado até o presente momento e com fé em Deus, vamos permanecer assim”, declarou.
Atenção em tempo integral
A mulher de hoje é dinâmica e multifacetada e a maternidade é apenas mais uma de suas facetas, provavelmente a mais importante, a mais complexa e a mais apaixonante delas. Para as mães com filhos pequenos, o desafio parece ser ainda maior, pois a criança requer atenção em tempo integral.
Esse é o caso da empresária Isabela Leal, de 28 anos, que quando iniciou a pandemia se viu com uma bebê de 4 meses no colo e sentiu fortemente os impactos da nova rotina, mas com o tempo tem conseguido se adaptar e conciliar as atividades do lar e do trabalho, com a assistência para filha e o marido.
“Quando começou essa situação toda, a neném só tinha quatro meses e como eu era mãe de primeira viagem fiquei bem tensa, porque tive que retirar minha rede de apoio de perto, que era a secretária da minha casa e minha mãe porque ela continuou trabalhando e precisávamos nos resguardar aquele primeiro momento e foi aquele susto e aflição”, revela.
Em meio a todo esse cenário de incerteza e medo, Isabela pediu para sua mãe ficar com ela em sua casa e nisso toda família acabou sendo contaminada pela Covid-19.
“O desespero foi grande, eu fui a última a ter contato com o vírus, então passei dias cuidando de tudo sozinha, surtei, gosto nem de lembrar desse momento. Demorei bastante para me adaptar a uma nova rotina, com a casa, com a bebê e ainda tinha as questões financeiras, porque a empresa teve que fechar no primeiro mês, então foram dias totalmente em doação para ela”, disse.
Além de Maisa, de 1 ano e 5 meses, a consultora de imagem descobriu que está grávida do seu segundo filho, dessa vez, está a espera do Matias.
“No meio dessa loucura, descobrimos esse presente, estou com 5 meses de gestação e muito feliz. A nossa rotina continua muito intensa, mas agora, já conseguimos nos adaptar melhor. A nossa rede de apoio já está de volta, mas continuamos tomando todos os cuidados e seguindo todos os protocolos. O que temos feito bastante é levar Maisa para ter contato com a terra, com os animais e a natureza no interior da família nos fins de semana, porque tanto ela quanto eu e meu marido precisamos desses momentos e ficamos pedindo a Deus para que tudo isso passe e que possamos proporcionar momentos que ela ainda não pode vivenciar”, acrescentou.
Mulheres: peso social bastante significativo
A maternidade nunca foi fácil para as mulheres, o desafio é constante, com incertezas, inseguranças, medos e também conquistas. Portanto é preciso desconstruir a romantização sobre a maternidade. Marcela Castro Barbosa, socióloga, professora pesquisadora da área de gênero, conta que na sociedade patriarcal, as mulheres recebem um peso social bastante significativo, seja na educação, saúde, e até na culpabilização dos atos dos filhos.
“Em tempos de distanciamento social, promovido pelo novo coronavírus essas responsabilidades sobre a maternidade têm se intensificado, pois as mulheres/mães passaram a conduzir mais atividades, sobrecarregando-se. Cada mulher/mãe traz uma realidade, muitas vezes comum a outras mulheres. Por exemplo, se a mulher/mãe estiver trabalhando em home office, ela precisa dar conta das atividades profissionais, que são muitas e concomitantemente devem acompanhar os filhos, que ora estão em aulas remotas, ora desenvolvendo alguma atividade em casa, que precisam da sua orientação. Caso não esteja desenvolvendo uma atividade remunerada, ela tem dificuldade de conseguir, pois não tem com quem deixar seus filhos”, analisa a especialista.
Marcela Castro destaca que em especial, as mulheres negras de classe populares, que encontram-se em maiores situações de vulnerabilidade social passam a ter um peso ainda maior. “Ainda temos, as mulheres que foram vítimas da covid-19 e que deixaram seus filhos órfãos, geralmente uma outra mulher/mãe da família passará a assumir a maternidade dos filhos, que ficaram órfãos”, finaliza.
A cobrança interna também é um dos grandes desafios enfrentado por essas mulheres, mas mesmo com a sobrecarga de trabalho, vale lembrar que em meio a tantas tarefas, é necessário encaixar um tempo para respirar e fazer atividades prazerosas como, se cuidar, ler um livro, assistir TV, ouvir uma música.