É difícil ser diferente do padrão no período escolar, quando o bullying vira uma realidade para muitas crianças. Segundo especialistas, trabalhar duro e encontrar uma força interior, algo que motive a sair dessa situação, são algumas das formas de superar essa prática tão nociva. E foi exatamente o que fez Ana Patrícia Silva Ramos, ou apenas Ana Patrícia, 22 anos e 1,94m de altura.
“Por conta da altura, sofri um pouquinho na escola. Foi um período bem difícil mesmo e, querendo ou não, levamos alguma coisa para a vida adulta. O vôlei veio para transformar algumas crenças que eu tinha e para me realizar, não só como profissional, mas também como pessoa”, relembra Ana Patrícia.
Parte dessa força interna veio de uma descoberta que ela fez ainda pequena – na idade, não no tamanho – em Espinosa, norte de Minas Gerais, a 700km de Belo Horizonte e bem distante da praia: se tornar atleta.
“A vida de interior é bem simples, não tem muitas coisas para fazer. Na maior parte do tempo, ficava com os amigos praticando esportes. Jogava de tudo, menos vôlei. Sou apaixonada por futsal, jogava diariamente no time da cidade e ainda ficava nas peladas com os meninos. Pratiquei também natação e handebol, que foi o que me levou aos Jogos Escolares, em 2013”.
Na competição estudantil, Ana Patrícia foi observada pelo professor Augusto Figueiredo e resolveu mudar de cidade e modalidade, trocando a quadra coberta pela areia. Em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, começou a treinar com o técnico Giuliano Sucupira depois que passou a integrar a seleção mineira de vôlei de praia.
“Na verdade, sempre tive na mente que seria atleta. E sabia que conseguiria, é incrível. Só que já estava ficando meio desanimada porque estava ficando velha para o esporte e, por morar no interior, talvez não recebesse uma oportunidade. Mas sempre senti, nunca consegui pensar em outra coisa para a minha vida que não fosse ser atleta. Quando apareceu a oportunidade, agarrei com todas as forças”.
Ouro em Nanquim 2014
Ainda que a altura fosse uma vantagem no início, Ana Patrícia teve que aprender os fundamentos praticamente do zero. Só que a evolução foi tão rápida que, em apenas quatro meses de treinamento, foi convocada pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) para treinar no Centro de Desenvolvimento de Voleibol, em Saquarema (RJ). Disputou o Mundial sub-19 com Paula Hoffmann e, posteriormente, os Jogos Olímpicos da Juventude Nanquim 2014, sagrando-se campeã ao lado de Duda – que, com Ágatha, também estará em Tóquio.
“Tenho muitas boas lembranças, mas acredito que os Jogos Olímpicos da Juventude foi especial por mostrar que estava no caminho certo. Talvez tenha sido o momento de maior afirmação, foi quando soube que teria futuro na modalidade”.
Também com Duda, conquistou o bicampeonato Mundial sub-21 em 2016 e 2017, ano em que formou parceria com a cearense Rebecca Silva. A dupla é treinada pelo lendário Reis Castro, técnico das medalhistas olímpicas Juliana e Larissa (bronze em Londres 2012) e nove vezes campeão do Circuito Mundial.
“Vim para Fortaleza a convite do Reis, acima de tudo pela estrutura e por serem Reis e Oliveira (Neto, preparador físico), duas lendas do esporte. Vi uma oportunidade de crescer, de ter uma estrutura que não tinha achado no Brasil. E, pensando agora, vejo que fiz a melhor escolha”.
“Estamos num grupo que todos pensam diferente. Há momentos em que não é fácil, mas, na maioria das vezes, nos acertamos muito bem enquanto equipe. Fico muito feliz de ter vindo para o Ceará porque vejo o quanto evoluí e o tanto que ainda tenho a crescer. Acredito que estou ao lado das pessoas certas”.
Aliás, uma das pupilas de Reis e Oliveira é uma das inspirações da mineira. “No esporte tem muita gente que inspira, mas posso falar de uma pessoa que inclusive influenciou na minha decisão (de ir para o Ceará): a Larissa, de quem sempre fui muito fã e que tive a oportunidade de conhecer. Ela sempre me deu força, me inspirou a ser mais. Acima dela, só mesmo a minha família. Não há ninguém que me dê mais motivos para seguir em frente do que eles”.
Para se sentir um pouco mais segura nos caminhos que a levarão até os Jogos Olímpicos de Tóquio no ano que vem, Paty conta com uma ajudinha a mais: “Sou supersticiosa demais da conta. Mais até do que gostaria (risos). Sou supersticiosa com o pé que piso na quadra; com a cor do biquíni, que precisa ser igual até a final; com a comida... E faço a Rebecca me acompanhar em tudo porque, na minha cabeça, as duas precisam fazer para dar certo”.
Até agora deu. Elas estarão em Tóquio em busca do maior sonho. “Quando penso nos Jogos Olímpicos, primeiro vem muita gratidão. O caminho foi muito duro até conseguirmos a classificação, mais do que qualquer um de nós imaginava. E, acima de tudo, muita felicidade, porque é a oportunidade de realizar o nosso sonho. Vamos nos preparar bastante para isso”.