Verônica Hipólito nunca teve um biótipo típico de velocista. Em vez dos músculos exibia pernas e braços fininhos enquanto desfilava sua velocidade na pista. Há um ano, ganhar massa muscular tornou-se ainda mais difícil.
Precisou retirar 90% do intestino grosso, o que dificulta a absorção de nutrientes pelo corpo. Acostumada a superar os desafios impostos pelo próprio corpo – um tumor no cérebro e um AVC, que a enquadrou na classe T38, para atletas com paralisia cerebral -, superou outra batalha nesta sexta-feira. A “magrela”, como é chamada carinhosamente pelos amigos, correu os 100m em 12s88 e faturou a prata, primeira medalha da carreira em Paralimpíadas.
O tempo de Verônica foi quatro centésimos mais lento que o feito por ela na semifinal, quando quebrou o então vigente recorde paralímpico com o melhor tempo de vida. A marca, no entanto, não seria páreo para superar a britânica Sophie Hahn, que sagrou-se campeã com o novo recorde paralímpico, 12s62.
A também britânica Kadeena Cox completou o pódio com 13s01, enquanto a brasileira Jenifer Santos, apesar de fazer o melhor tempo da vida (13s61), despediu-se em oitavo lugar.Se o título não veio, o sentimento é de vitória para quem há menos de um ano passava um por uma delicada cirurgia.
Um exame diagnosticou a existência de mais de 200 pólipos no intestino grosso, e 90% do órgão precisou ser retirado. A atleta, que já tinha dificuldade para ganhar peso, chegou a pesar 41kg. Não pode competir no Mundial de Doha e demorou a ter aval médico para voltar a treinar.- Teve muita gente que duvidou, mas teve muito mais gente que acreditou em mim. Vai ter gente que, quando eu sair daqui, vai dar um puxão de orelha e falar que eu poderia ter ido melhor. Se eu tiver que operar de novo, que fazer qualquer coisa de novo, eu posso fazer, porque sei que vou voltar e vou ter condições de voltar mais forte. Pré cirurgia eu corria 13 segundos, pós cirurgia eu corri 12. Se tiver mais uma, bate na madeira, mas vou correr 11 - disse a medalhista.A paulista deu os primeiros passos no esporte aos 10 anos, no judô.
Dois anos depois, a descoberta de um tumor no cérebro a impediu de seguir nos tatames. Sem poder sofrer com o impacto das quedas, buscou no atletismo um novo refúgio. Mas ao 15 anos veio outro susto. Um AVC deixou como sequela paralisia no lado direito de seu corpo. Ela seguiu nas pistas, mas a partir de então passou a voar com o status de atleta paralímpica. Tornou-se um prodígio, e aos 17 anos, sagrou-se campeã mundial dos 200m da classe T38.O título não pôde ser defendido no Mundial de Doha, no ano passado, devido à cirurgia no intestino. O problema, escondido até o fim do Parapan de Toronto, vinha acompanhando a atleta há meses, gerando fadiga e prejudicando seu desempenho nas pistas.
Agora que sua condição clínica está perfeita, Verônica tem plenas condições de correr atrás das rivais. Mas quer correr na frente. Do alto de seus 1,60m e 48kg, a atleta de 20 anos vê a evolução de seu rendimento e acredita que em breve será capaz de superar a adversária britânica.
- É o que não te deixa se acomodar. Tenho certeza que não vou deixar ela se acomodar também. Acho que se eu não fosse ameaça para ela, eu não teria corrido forte a semifinal. Somos amigas fora da pista, dentro da pista também, mas aí existe a rivalidade Brasil e Inglaterra. A Sophie está há um ano correndo na casa de 12s60. Eu estou, poucos meses após uma cirurgia, diminuindo um décimo, dois, três, quatro décimos. Acredito que uma hora vou alcançá-la e vou dizer para todo mundo: "Eu não disse que dava?".Verônica ainda disputa mais duas provas na Rio 2016. No domingo, ela busca pódio no salto em distância. Na segunda e na terça, competirá nos 400m.