No país das maravilhas particular de Túlio, apenas duas pessoas estão à sua frente. Édson Arantes do Nascimento é o primeiro. Romário de Souza Faria, o segundo. Com 952 gols registrados na memória, Túlio Humberto Pereira Costa quer se tornar o terceiro goleador milenar do planeta. Faltam só 48 bolas na rede, diz Túlio. Ou conta Túlio. Porque os gols são - como os programas de TV não cansam de repetir - "segundo as contas dele". O site resolveu olhar de perto as contas do artilheiro - e checá-las - para confirmar se elas estavam em dia.
A pesquisa trouxe diversas curiosidades. Há superfaturamento de gols em muitos clubes. Em outros, subfaturamento. Túlio conta toda santa bola na rede, seja em jogo-treino, amistoso ou partida festiva. Ao que parece, chegar ao gol 1.000 não é uma ciência exata. Com 23 anos de carreira e 25 clubes no currículo, o artilheiro diz que é ?humanamente impossível? atingir a marca somente em jogos oficiais. E descreve sua contagem, digamos, politicamente:
- É como pesquisa de eleição: 2% para mais, 2% para menos.
Hoje, para se fazer mais de mil gols na carreira, pode perguntar ao Pelé e ao Romário, só em jogos oficiais, seria humanamente impossível"
Túlio
Em seu site oficial, Túlio divulga uma lista com seus gols, divididos por clubes e anos. Logo no primeiro time da relação, o Goiás, já há uma divergência entre seus números e os do clube, onde foi revelado. O atacante conta 187 gols, mas, nos registros esmeraldinos, ele marcou 91 vezes em jogos oficiais no período de 1988 a 1992. Na sua contagem, Túlio inclui também gols em amistosos - teriam de ser 96, caso os dados do Goiás estejam corretos.
Depois, Túlio foi para o Sion. Em sua lista, anotou 64 gols entre as temporadas 1992 e 1993. A Federação Suíça de Futebol, porém, registra apenas 19, de acordo com informações enviadas por e-mail. Foram 15 em dez partidas pelo campeonato nacional, mais quatro na Liga dos Campeões.
Assim como o Sion, o Újpest, da Hungria, também não reconhece todos os 40 gols que Túlio afirma ter marcado em sua passagem pelo clube em 2002. Segundo contato via e-mail, a diretoria conta que ele somou cinco gols em 11 jogos pelo Campeonato Húngaro. No Jorge Wilstermann, da Bolívia, registros em competições oficiais mostram nove gols, com três pela Libertadores e seis pela Aerosul, e não os 24 contabilizados pelo jogador.
De volta a contagens brasileiras, São Caetano e Volta Redonda também registram números diferentes dos de Túlio. No time do Rio, a diferença é de seis gols; já no Azulão, chega a dez. O curioso é que, segundo a assessoria do São Caetano, o atacante pediu uma relação oficial ao clube para incluir em sua lista oficial, que mostra 30 gols, e não os 20 passados pelo assessor e marcados em jogos oficiais e um amistoso.
Perguntado pelo site sobre as contradições, Túlio não esperou nem mesmo os nomes dos clubes serem citados. Antes do fim da pergunta, retrucou:
- O Sion, né? É verdade. Eles devem ter contado só jogos oficiais. Hoje, para se fazer mais de mil gols na carreira, pode perguntar ao Pelé e ao Romário, só em jogos oficiais, seria humanamente impossível. Você teria de jogar 50 ou 60 anos. Tem jogos de pré-temporada aí. Se coloca a camisa do clube, já está valendo. Para eles, é como se fosse um treino. Para mim, não, é como se fosse um jogo.
O atacante admitiu ainda que, em sua contagem, apela para memórias suas e de ex-companheiros.
- Tinha jogos no Újpest, da Hungria, que a gente ganhava de quatro, cinco a zero, e eu fazia quatro (gols). Isso está aqui, na minha memória. Muitos desses gols não vão estar em registros. São tantos, vários clubes, vários momentos. Por exemplo, uma pré-temporada no Goiás, em 1989. Vai saber, o Goiás não tem esse registro. Mas eu tenho, tenho lembranças. Jogadores que estiveram ao meu lado, que lembram desses gols. Até mais do que eu. De repente, eu acabo até esquecendo. De repente, vou fazer mil, mas, se fosse buscar ao pé da letra, eu já teria feito 1.010, 1.020. Então, é igual à eleição: 2% para mais, 2% para menos.
Túlio não sabia, mas também deixou algumas bolas na rede perdidas pelo caminho em sua memória. De acordo com registros do Fluminense e do Tupy-ES, o atacante marcou quatro vezes a mais pelos clubes do que anotou em sua lista.
- Vamos colocar na conta, então. Você falando agora fez com que eu lembrasse do amistoso do Fluminense. Foi isso mesmo, marquei duas vezes. É isso aí. Como eu te falei, as pessoas têm que me ajudar. Só a memória não cobre tudo - afirmou, dizendo que vai somar os gols na lista em seu site oficial.
Em 2003, entre uma passagem pelo Atlético-GO e uma pelo Jorge Wilstermann-BOL, Túlio marcou sete gols pelo Tupy-ES. Porém, em sua contagem, há somente cinco registrados. O presidente do clube, Rogério Pedrini, explicou a diferença.
- Ele jogou dois amistosos pelo Tupy e marcou dois gols neles. Mas não conta isso, não sei por quê. Lembro que chegar ao milésimo já era importante para ele desde quando jogava por aqui. Ele até me pediu para pegar um DVD com as imagens dos gols na filial da emissora de TV daqui, porque queria registrar tudo.
Pedrini lembrou também de uma história engraçada de Túlio, que levou sua irreverência e fome de gols para a equipe de Vila Velha.
- Ele apostou uma moqueca com os zagueiros da época. Disse que sempre marcava em jogos de estreia. Se não fizesse dessa vez, iria pagar o jantar para eles. Mas ele fez, então ninguém comeu (risos).
Pelo Fluminense, Túlio também deixou de contabilizar dois gols. Segundo o departamento de pesquisa do clube, o atacante marcou no amistoso contra o Rodoviário do Piraí, em janeiro de 1999, o que o levaria à marca de 12 gols em 25 jogos. No entanto, o jogador conta apenas dez pelo Tricolor.
- Teoricamente, foram jogos-treinos. Mas, para mim, esses jogos deveriam valer, pois, pelo que pude apurar, o Fluminense jogou com seu uniforme, houve ingressos vendidos, houve árbitro, enfim, todas as características de um jogo oficial - afirmou João Bolt, do departamento de pesquisa do Tricolor.