Longe dos gramados por conta da paralisação do futebol, os clubes brasileiros decidiram agir e passaram a utilizar suas marcas para se engajarem na luta contra a pandemia causada pelo novo coronavírus. Levar para a sociedade a força que costumam ter nas arquibancadas - com a preciosa ajuda das redes sociais. Informações do site GloboEsportes.com
Por exemplo, campanha #CorrenteDeSangue incentiva doações para reabastecer os hemocentros no Brasil. A #ClássicoDoBem arrecada recursos para fornecer materiais aos hospitais durante a crise sanitária provocada pela Covid-19. Esses são apenas alguns exemplos de um novo cenário (para não falar dos movimentos de jogadores e ex-jogadores para arrecadas cestas básicas).
A iniciativa está longe de ser um fato isolado. Seja por ideologia ou para se alinhar com políticas de boa convivência, o fato é que as ações sociais (e isso vai muito além da luta contra a pandemia) fazem parte de um passado recente na história dos clubes brasileiros.
É verdade que campanhas contra machismo, homofobia e racismo, em alguns casos, se intensificaram desde 2019, por conta da normativa da Confederação Brasileira de Futebol. A entidade implementou o Novo Código Disciplinar, sob orientação da FIFA, que dá mais poder aos árbitros diante de atos discriminatórios.
No entanto, para algumas entidades, ações do gênero fazem parte de um pensamento estratégico que ganhou força. É o caso do Bahia, referência em ações sociais. No ano passado, o clube entrou em campo pelo Brasileiro vestindo uma camisa pintada com manchas de óleo, em protesto contra o desastre ecológico no litoral brasileiro. Também em 2019, lançou uma coleção intitulada #BahiaClubedoPovo, com camisas que são comercializadas ainda hoje.
De acordo com Lênin Franco, gerente de negócios do clube, nove mil delas foram vendidas no ano passado.
“Teve uma adesão enorme porque as pessoas se identificam pelas causas e enxergam o Bahia como um clube que sabe da sua importância dentro da sociedade e que devolve à sociedade aquilo que ele tem dela. Não é o clube mais rico, não é o dos jogadores mais famosos, mas é o clube que sempre se engaja nas ações. As pessoas que se sensibilizam com as causas passaram a enxergar no Bahia uma plataforma onde elas podem falar e serem ouvidas.”
No Vasco, a questão racial é tida como diretriz do clube desde os primeiros anos de surgimento. Na última terça-feira, inclusive, relembrou a marca de 96 anos da Resposta Histórica. Documento de 1924, quando, através do então presidente cruzmaltino José Augusto Prestes, o Vasco fez pública sua indignação à discriminação racial. Movimento que faz com que, na atualidade, o clube inicie uma campanha com a própria torcida para mudar cânticos discriminatórios.
- O Vasco segue, como sempre fez ao longo da sua história, utilizando a sua voz e alcance para chamar a atenção da sociedade para temas que muitas vezes são delicados e pouco discutidos da forma que merecem, isto está no DNA vascaíno, essa luta pelos menos favorecidos. A gente está tentando mudar algumas coisas, até dentro da nossa torcida. Fazemos ações nas redes sociais, publicamos no placar eletrônico. Mas sabemos que algumas coisas levam tempo para mudar - disse Guilherme Neto, coordenador de Marketing Digital do Vasco.
As lutas populares fazem parte da história do Corinthians, que teve o posicionamento conhecido nacionalmente em 1982, durante a ditadura militar, com o movimento Democracia Corinthiana, encabeçado por jogadores como Sócrates, Casagrande e Wladimir.
Nos últimos anos, após abandonar as estrelas do uniforme, o clube chegou a voltar a estampar apenas uma, em homenagem às vítimas do Holocausto, que dizimou milhares de vidas durante a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, criou a campanha Respeita As Minas, em combate ao assédio sexual e violência contra a mulher. Medida que ajudou no fortalecimento do futebol feminino no Brasil e que, de acordo com o gerente de comunicação do clube, Tiago Oliveira, faz parte da linha de conduta da equipe.
“A ideia é honrar a missão dos clubes, que seria: tornar o mundo um lugar melhor para todos. O Corinthians é o time do povo. Formado por operários em uma época que o futebol era elitista, democrático quando o país vivia uma ditadura e que #respeitaasminas quando a violência à mulher parece ter se tornado epidêmica no país. É essa história que subsidia as ações do clube.”
Campanhas vão além de times da Série A
Os times, portanto, assumem a responsabilidade de atuar como o agente social que são, capazes de levantar discussões e gerar debates além do âmbito esportivo. Postura que não se limita à Série A do Brasileiro. Na Série C, o Santa Cruz tenta manter a alcunha sob a qual ficou conhecido nacionalmente: “Time do Povo”.
Em meio à pandemia causada pela Covid-19, o clube uniu-se ao Sport e ao Náutico para arrecadar fundos e fornecer materiais aos hospitais de de Pernambuco. Com a campanha #ClássicoDoBem, que acumula quase R$ 10 mil, foram doadas mais de oito mil máscaras e dois mil aventais médicos. No Tricolor, o mote inclusivo “Santa de Todos” tornou-se protagonista da comunicação. Mas o clube ressalta que as pautas sociais não são vistas como meios de comercialização, diz Guilherme Leite, diretor de marketing.
- Não temos isso como foco. Campanhas como o Santa de Todos são estratégias de branding. Se isso vier a refletir em aumento de vendas será bem-vindo. As campanhas de inclusão de credos, raças, opções e orientações nada mais é que a representação de nossa torcida. O engajamento nos posts é sempre bastante positivo e estão sempre entre os mais visualizados e com maior número de interações. Não houveram grandes crises, apenas um ou outro seguidor com um certo preconceito, mas que não representa nossa torcida.
Torcida também passa a cobrar...
Medidas de inclusão e incentivo às causas sociais passaram a ditar a postura dos clubes junto aos torcedores. Como consequência, a própria torcida começa a demandar um posicionamento dos clubes diante de questões sociais ou casos de discriminação.
Essa é uma realidade, por exemplo, que pode ser observada em situações como quando Corinthians e Ceará indicaram que negociaram com o atacante Juninho, do Sport, que responde na Justiça por agressão à ex-namorada. Uma realidade que é observada também por Guilherme, no Vasco.
“Quando há algum assunto de grande relevância, o torcedor do Vasco espera um posicionamento do clube e com isso o engajamento no digital é fortíssimo. Temos observado que os torcedores vem tentando mudar até mesmo alguns cânticos como forma de um entendimento que a sociedade está mudando e não aceita mais certos comportamentos do passado.”
... e também a criar as próprias campanhas
Ao mesmo tempo, as pessoas que se identificam com a linha de conduta adotadas pelos clubes, passam a se tornar mais engajadas em questões sociais e a fazer do próprio time o seu símbolo e espaço de luta. É o caso, por exemplo, dos torcedores do Bahia. Nas últimas semanas, eles criaram por iniciativa própria uma campanha para ajudar os vendedores ambulantes da Fonte Nova durante o período de suspensão de jogos.