O Corinthians, dono de uma das maiores torcidas do país e de uma dívida estimada em R$ 2,7 bilhões, vê crescer a pressão para discutir a transformação em Sociedade Anônima do Futebol (SAF). A proposta, apresentada por um grupo de torcedores sob o nome “SAFiel”, busca modernizar o clube e atrair investidores. Porém, internamente, o cenário é de ampla resistência. O Conselho Deliberativo, responsável por aprovar qualquer mudança, é majoritariamente contra a ideia, o que praticamente inviabiliza a iniciativa no curto e médio prazos.
Conselho dividido, mas resistência majoritária
Composto por 299 membros, entre conselheiros vitalícios e trienais, o Conselho do Corinthians é dominado por vozes que defendem a manutenção do modelo associativo. A justificativa passa por tradição, identidade popular e receio de “perder o clube”. Para parte dos conselheiros, a solução para a crise financeira não está na venda de ações, mas em uma gestão mais austera e competente.
Há também preocupação política: transformar o Timão em empresa significaria reduzir o poder dos grupos internos. “Somos a favor de modernizar o clube, mas contra perder o Corinthians”, resumiu um dos conselheiros, em fala reproduzida nos bastidores.
Essa posição está refletida na proposta de reforma do estatuto, que até permite a criação de uma SAF, mas proíbe que investidores externos assumam o controle majoritário. O texto estabelece que a gestão e o controle institucional devem permanecer nas mãos dos associados, o que inviabiliza o formato de investimento defendido pela SAFiel.
Projeto “SAFiel” tenta quebrar barreiras
Na última quarta-feira, os representantes da SAFiel se reuniram no Parque São Jorge com Osmar Stabile e Romeu Tuma Jr., presidentes da diretoria e do Conselho Deliberativo. Durante o encontro de três horas, foram apresentados detalhes do projeto e entregue um documento formal de intenções.
A iniciativa prevê a participação de torcedores como acionistas, sem que o clube tenha um único dono. Para os idealizadores, o modelo preserva a essência associativa e ainda garante fôlego financeiro.
“Se há novas travas, uma maior dificuldade, eu lamento se isso acontecer. A única certeza de todos nós aqui é que, do jeito que está, nós não sobrevivemos mais um ou dois anos”, afirmou o advogado Eduardo Salousse, um dos criadores do projeto.
A ausência de Stabile no lançamento da proposta foi criticada pela conselheira vitalícia Miriam Athie, uma das poucas defensoras do projeto dentro do Conselho.
“Estou muito triste pelo fato de o presidente não estar aqui. Aqueles que criticam este projeto não têm nada melhor a oferecer”, disse.
Visões opostas dentro do clube
Entre os contrários à SAF, o conselheiro Caetano Blandini, integrante do Conselho de Orientação (Cori), reconhece a crise, mas defende soluções internas.
“Com todas essas dificuldades, o Corinthians pode reverter essa situação. A SAF não é maléfica, mas não é para agora. O Corinthians é do povo, não tem dono. Não será refundado”, declarou.
O debate expõe um conflito geracional e político dentro do clube: de um lado, quem enxerga a SAF como inevitável; do outro, quem teme que a mudança destrua a essência corintiana.
Especialistas analisam cenário
Para José Francisco Manssur, advogado e coautor da Lei da SAF no Brasil, a resistência do Corinthians é um fenômeno comum.
“Todo movimento que ameaça o poder e o status de um grupo tende a enfrentar resistência. Mas, quando as mudanças se tornam essenciais para a evolução, acabam acontecendo”, afirmou.
Manssur vê méritos na SAFiel por propor um modelo sem um controlador majoritário, mas faz um alerta:
“A grande questão é se haverá investidores dispostos a colocar dinheiro em uma empresa comandada por terceiros.”
Ele lembra que o modelo associativo está se tornando obsoleto no futebol brasileiro, embora clubes como Flamengo e Palmeiras mostrem que é possível ter sucesso sem se transformar em SAF.
“Esses clubes têm gestão eficiente, mas enfrentam limites de receita. A SAF permite entrada de novos recursos e pode tornar os clubes brasileiros protagonistas no cenário mundial.”
Debate inevitável
Apesar da resistência, o próprio presidente do Conselho Deliberativo, Romeu Tuma Júnior, reconhece a necessidade de discutir o tema, especialmente com as mudanças tributárias previstas para 2027. Segundo projeções da advogada Elisa Tebaldi, clubes associativos poderão ter carga tributária de até 11,4% até 2033, enquanto as SAFs pagarão entre 5% e 8,5%.
“Elas já vinham sofrendo com dívidas e dificuldades de governança. Com a reforma tributária, o modelo associativo se tornará economicamente insustentável”, explica Tebaldi.