A dificuldade enfrentada pelos torcedores do Corinthians para adquirir ingressos tem causas que vão muito além da alta demanda por jogos decisivos. Um escândalo de cambismo envolvendo conselheiros, sócios, empresas e até contas internas do clube escancara possíveis irregularidades na gestão de bilhetes da Neo Química Arena. O caso, que já está sendo investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, pode repercutir nos bastidores do Timão e gerar desdobramentos graves.
Venda ilegal e contas internas
Mesmo antes do início da venda oficial para o clássico contra o Palmeiras, pela final do Paulistão, cambistas já ofereciam ingressos a preços exorbitantes, R$ 600 em setores populares, como o Sul, e até R$ 1.500 nas cadeiras premium do Oeste. Uma reportagem feita pelo ge identificou três origens desses ingressos: sócios-torcedores, conselheiros e contas internas do clube, como a “Arrecadação – Vendas”, que teria comercializado ingressos a R$ 45 que foram revendidos por R$ 180.
Na partida contra o Santos, que teve recorde de público, a conta “Arrecadação – Vendas” teria reservado 4.171 entradas, enquanto apenas 23.360 (48%) dos 47.695 bilhetes foram destinados a sócios-torcedores comuns. A proporção gerou indignação entre os torcedores e levantou suspeitas sobre a real destinação dos ingressos internos.
Ex-funcionário denuncia favorecimento e adiamento do reconhecimento facial
Marcelo Munhoes, ex-chefe do departamento de tecnologia do clube, afirma que a atual gestão aumentou drasticamente a quantidade de ingressos direcionados a setores internos. Segundo ele, o login do Marketing, que antes tinha direito a cerca de 60 ingressos, agora opera com 400. Ele também denunciou o adiamento da implantação do sistema de reconhecimento facial, uma exigência legal até junho de 2025 para estádios com mais de 20 mil lugares, que poderia ajudar no combate ao cambismo.
Munhoes relata que firmou contrato com a empresa Ligatech para fornecer os equipamentos de biometria, mas foi desligado do cargo no dia seguinte e a entrega dos aparelhos foi cancelada.
“A gente precisava já ter começado. Nosso objetivo era outubro de 2024. Postergaram tudo por indefinições na diretoria”, afirmou.
Empresas reprovadas pelo compliance e ligação com o PCC
A denúncia mais grave feita por Munhoes envolve a tentativa da diretoria de firmar acordo com empresas reprovadas pelo setor de compliance do Corinthians. Entre elas, a 2GO Bank, acusada de lavar dinheiro para o PCC. A empresa, sem experiência no futebol, foi rejeitada pela área técnica e pela consultoria contratada, mas mesmo assim teria sido alvo de insistência da presidência. “Não vou ser cobaia de vocês”, teria dito Munhoes aos representantes da 2GO.
A diretoria do Corinthians nega negociações formais com a 2GO e atribui a reprovação a um “erro de digitação do CNPJ”.
Munhoes contesta: “O presidente me mostrou um print de uma versão antiga do documento. As atualizações já estavam corretas”.
A outra empresa preferida da gestão seria a Ticket Hub, cujos sócios são ligados à BWA e que também foi reprovada pelo compliance. Segundo Munhoes, a proposta da Ticket Hub é o dobro do preço de outras opções de mercado.
Fielzone: aumento de ingressos e dívida milionária
Munhoes também questiona o aumento da carga de ingressos para o camarote Fielzone. Segundo ele, o número de entradas do setor Oeste destinadas ao espaço subiu de 300 para mil, retirando 700 ingressos do Fiel Torcedor. Ele também afirma que a empresa responsável, a Soccer Hospitality, deve R$ 2 milhões ao clube e não apresentou aditivo contratual que justificasse a mudança.
A empresa nega irregularidades e afirma que está honrando um acordo pós-pandemia, com 90% da dívida já quitada. O Corinthians, por sua vez, diz que a mudança foi experimental, válida até o fim do Paulistão, e que ajustes contratuais serão feitos após análise de uso.
Repercussões possíveis
Com investigações policiais em curso, denúncias formais feitas por um ex-funcionário e possível envolvimento de empresas ligadas ao crime organizado, o escândalo pode resultar em ações judiciais e até em intervenção no clube por parte do Conselho Deliberativo. O risco de sanções legais e danos à imagem do Corinthians também é real, sobretudo com a proximidade do prazo legal para implementação do reconhecimento facial.